House

House - 1No início dos 80s, dois títulos fizeram história, tornaram-se clássicos e merecedores de (imenso) culto, tendo também definido as regras de um novo (sub)género – o “terrir”, mescla de terror (clássico, intenso ou ligeiro) com a mais destravada das comédias.

Refiro-me a “The Evil Dead” (1981, de Sam Raimi) e “An American Werewolf in London” (1981, de John Landis).

A moda pegou e ao longo da década foram surgindo títulos em sintonia com o dito (sub)género (e com os “papás”) e igualmente merecedores de referência, culto e até estatuto de clássico.

Hoje trago à memória a saga “House”, variação “terrir” do tema clássico das casas assombradas.

Quatro títulos (em formato “3+1” – depois explico), onde os dois primeiros trazem muitas e boas razões para culto, veneração pelos fãs do (sub)género e merecedores de (re)descoberta. Quanto aos outros dois… uhhh…

Já lá irei.

Acompanhem-me na visita a esta divertida casa assombrada.

(ou casas, pois apesar do título da saga, a casa está sempre a mudar – já vou explicar porquê)

Os fantasmas e os monstros continuam por lá, mas eles prometeram-me que se iam comportar bem.

Follow me, to the house of laughs and chills.

House - Poster 1 House – Uma Casa Alucinante (1986)

Roger Cobb é um escritor de sucesso, mas ainda está atormentado devido a um doloroso divórcio, à perda misteriosa do seu filho e aos traumas da sua experiencia na Guerra do Vietnam.

A notícia do suicídio da sua tia (que o criou desde criança) deixa-o bastante abalado. Necessitado de um novo livro e em busca do sossego para a criatividade necessária, Roger decide passar uns tempos na casa da tia.

Mas a casa tem um mistério e uma maldição, e à medida que os dias passam, Roger vai assistir a uns eventos bizarros e assustadores. E não é que pela casa pode passar a solução do desaparecimento do filho e de todos os seus traumas pós-guerra?

“House” reúne uma equipa de luxo, que será mais conhecida pelos nerds mais devotos do terror.

Na produção está Sean S. Cunningham, que produziu o primeiro filme de Wes Craven (o intenso shocker e survival movie que é “The Last House on the Left”) e já tinha o seu nome na história do terror (assinou o primeiro episódio da longa e emblemática saga “Friday the 13th”).

Na realização está o capaz Steve Miner, nome já associado ao terror e a Cunningham (assinou as partes II e III de “Friday the 13th”) e que, anos depois, faria uma feliz “conclusão” à saga “Halloween” – “Halloween H20”.

Na fotografia está Mac Ahlberg, nome grande do género nos 80s (“Ghoulies”, “Trancers”, “Re-Animator”, “From Beyond”, “Prison”).

Na música está Harry Manfredini, outro nome grande do género nos 80s (toda a saga “Friday the 13th”).

Na cenografia está Gregg Fonseca, outro nome grande do género nos 80s (“A Nightmare on Elm Street”, “Critters”).

Nos efeitos visuais está a empresa DreamQuest, prestigiada companhia dentro do meio e do género, ao longo dos 80s (“The Abyss”).

No elenco, gente boa como William Katt (revelado em “Carrie”, elemento de um dos filmes-chave dos 70s – “The Big Wednesday” – e tornado estrela numa das mais divertidas, belas, infantis, encantadoras e sentimentais séries dos 80s – “The Greatest American Hero”), George Wendt (ilustre comediante secundário da época), Kay Lenz (bela estrela televisiva da época), Richard Moll (competente secundário da época, em produções B e Z) e Mary Stavin (lindíssima e curvilínea menina, que a levou a ser Bond-Girl em “Octopussy”).

Ethan Wiley assina o argumento, segundo uma história de Fred Dekker (nome de culto da década, que já aqui referi a propósito de um titulo de Shane Black – ver o artigo sobre ele – e que em breve falarei mais dele).

No campo dos duplos, três nomes merecem destaque. Dan Bradley (futuro e relevante Stunt Coordinator e Second Unit Director do moderno cinema de acção – “Spider-Man 2”, a saga “Jason Bourne” e “007 – Quantum of Solace”), Jeff Imada (habitual Stunt Coordinator em muitos filmes de John Carpenter) e Kane Hodder (duplo que daria corpo a uma das figuras mais assustadoras dos 80s – Jason Voorhes, da saga “Friday the 13th”).

Todos podem (e devem) ter orgulho em ter “House” no seu curriculum.

Estamos perante um dos mais perfeitos filme deste (sub)género.

Miner dirige com grande sentido de estilo, competência e atmosfera, sabendo dosear os sustos (a transformação de uma personagem próxima ao protagonista em monstro, a criatura no armário) e o humor (o ataque das ferramentas, a ajuda inesperada no combate ao monstro). A fotografia muito ajuda na atmosfera, bem como a cenografia, com a música a ter também a sua estimável intervenção (tons à base de instrumentos de cordas, que tanto dão para roer as unhas como para arejar os maxilares). Nota alta também para os efeitos especiais de caracterização, de trucagens, de animatronics e de matte paintings, que ainda hoje resultam bem (aliás, no campo do terror, nada supera os efeitos de make-up 80s face aos banais CGI de hoje).

O argumento é bastante coeso, sabendo quando dar lugar às situações de susto e de riso, nunca esquecendo o lado humano e emotivo da narrativa.

Katt defende-se muito bem, sabendo ilustrar os dramas a que o seu personagem está/esteve sujeito, bem como o seu medo permanente. A boa química com Wendt também ajuda. Apesar de terem pouco tempo de antena, Lenz e Stavin não estão desperdiçadas e até consolam o olhinho (veja-se quando Stavin sai da piscina).

Uma verdadeira montanha russa de sustos e gargalhadas, num título que ainda hoje merece atenção e pode/deve ser visto como uma referência.

A verdade é que nada bate o cinema de terror dos 80s. E mesmo títulos simpáticos e modestos como este “House” só nos lembram disto.

Trailer

Fan Site – http://www.rogercobbshouse.com

(é mesmo para nerds)

House II - Poster 1

House 2: The Second Story – Uma Casa Alucinante 2 (1987)

Um ano depois surgiu a sequela.

Wiley fica exclusivo no argumento e até se estreia na realização.

Cunningham continua na produção, Fonseca na cenografia, Ahlberg na fotografia e Manfredini na música.

Argumento e elenco trazem tudo renovado.

Anos 60. Um casal vê-se obrigado a dar o seu filho a um casal amigo. Sozinho na casa, o casal é atacado por uma misteriosa figura que procura um crânio.

Actualidade. Jesse e a namorada Kate mudam-se para a casa que fora dos pais de Jesse. Este descobre que o seu tetra-avô era um aventureiro e tinha descoberto um crânio de cristal, com grandes poderes (oops, alguém chegou lá antes de Indiana Jones). Com o intuito de terminar a senda do seu antepassado e descobrir mais pormenores sobre o destino dos seus pais, Jesse encontra o dito crânio, desperta o seu antepassado e mete-se numa grande e assustadora aventura. Um amigo seu resolve fazer uma festa em casa, mas para Jesse vai ser uma viagem a um outro mundo, estranhas criaturas, rituais e feitiços.

Muito riso, pouco susto. Não sei se seria a intenção dos autores, mas é este o resultado.

Mas isto não é um contra ao filme. Antes pelo contrário.

É um facto que tal resultado marca uma diferença face ao (magnífico) equilíbrio que “House” tinha nas componentes terror e comédia. Mas “House II” é um delirante momento de comédia, em ambientes paranormais.

Nos efeitos especiais andam por os grandes Chris Wallas (“The Fly”, “The Fly II”) e Phil Tippett (“Robocop”, “Jurassic Park”) que até brincam ao lendário Ray Harryhausen – as trucagens no momento em que o filme se passa na selva pré-histórica, as criaturas (um dinossauro, o adorável bebé Pterodáctilo, o simpático cão-roedor).

No meio de tanta galhofada, ainda se brinca ao cinema de aventuras clássico (a descoberta do templo), ao swashbuckler (a interrupção do ritual) e até ao western (a decisiva confrontação). Mas também há os devidos momentos de sustos (o “olá” na campa, a surpresa na bandeja).

É um (muito) ligeiro pé atrás face a “House”, mas não é um título que ofenda a saga ou o fã. É um bom momento de diversão, que ilustra (muito bem) um certo tipo de produção (e estilo) low budget dos 80s.

Trailer

House III - Poster 1

House III (1989)

Na verdade, o filme chama-se “The Horror Show”. Os produtores decidiram chamar-lhe “House III” para os mercados fora dos USA.

Por isso, nada tem a ver com os filmes anteriores (veja-se o design do poster face aos outros títulos da saga). Contudo, por outras razões, é incluído na saga.

Cunningham continua na produção, Ahlberg na fotografia e Manfredini na música.

Na realização está James Isaac, um veterano dos efeitos especiais em filmes de terror (“Gremlins”). No argumento está Leslie Bohem, um perito em terror (“A Nightmare on Elm Street V”). No elenco encontramos ilustres como Lance Henriksen (veterano secundário de produções B/Z dos 80s, secundário nos primeiros filmes de James Cameron e viu a sua hora de glória ao protagonizar a tenebrosa e fabulosa série “Millennium”) e Brion James (rosto assustador, muito visto em produções B/Z dos 70s e 80s, secundário em muitos filmes de Walter Hill).

Lucas McCarthy é um dedicado polícia que, finalmente, vê terminada a sua mais infernal investigação – conseguiu capturar o brutal assassino Max Jenke. Condenado à cadeira eléctrica, Jenke jura, nos seus últimos momentos, vingança contra McCarthy e a sua família. O que pareciam ser palavras de desespero e ódio por um condenado á morte, acaba por se revelar algo mais perturbador. McCarthy e a sua família começam a ser alvo de estranhos eventos, dentro da sua casa, onde realidade e sonho se fundem de forma assustadora. Mas como derrotar alguém que está morto e só surge nos sonhos?

A acção ainda se passa numa casa, mas de um tipo mais moderno e convencional para a classe média americana, estando longe do tipo de casa victoriana usada nos dois episódios anteriores.

Este novo título carrega mais onde os dois títulos anteriores eram subtis e delicados (mas sem evitarem, aqui e ali, o adequado momento de susto e impacto) – o explícito da violência. Por outro lado, há uma total ausência de humor.

Na verdade, “House III” acaba por ser mais um rotineiro horror flick da época, combinado com psycho killer thriller e com elementos narrativos de “A Nightmare on Elm Street” (tal como nesta popular saga, muita coisa passa-se no mundo dos sonhos) do que um bom momento de “terrir” que estava a caracterizar a saga. O argumento, se bem trabalhado, tinha potencial para ser um bom episódio de “The X-Files” ou mesmo de “Millennium” (uma série que, “por acaso”, era protagonizada por Lance Henriksen). Apesar de se tentar, aqui e ali, dar uma ênfase à vida familiar do protagonista (até acabamos por ganhar estima por aquele lar), o argumento frequentemente segue a “regra” do “marcar passo” com as permanentes aparições do vilão, que apenas assusta o protagonista, mas não move a narrativa.

Fica um par de momentos de choque (a cozinha do covil do vilão e a forma como ele usa os utensílios para se livrar de body parts, a surpresa ao almoço), mas a verdade é que este “House III” acaba por destoar imenso face à saga à qual (não) pertence, parecendo mais um rascunho (ou uma versão mais trashy) de um bom episódio de “A Nightmare on Elm Street”.

Os efeitos de caracterização são da KNB (Robert Kurtzman, Greg Nicotero e Howard Berger), responsáveis pelos efeitos de “From Dusk Till Dawn” e “John Carpenter`s ´Vampires`”.

Trailer

House IV - Poster 1

House IV (1992)

(subintitulado como “Home Deadly Home” ou “The Repossession”)

Perante o dito “House III”, os produtores tiveram de chamar a este novo capítulo “House IV”. Apesar de ser denominado o quarto capítulo, na verdade é o terceiro da saga.

O título saiu directamente para vídeo.

No argumento anda lá Geoff Miller e o filme marca a estreia na realização de Lewis Abernathy. Ambos assinaram o argumento de “Deepstar Six”, que foi realizado por… Sean S. Cuningham.

Cunningham continua a produzir e a saga regressa às origens. William Katt retoma o personagem Roger Cobb (que vinha do primeiro filme).

Cobb está casado e com uma filha. Decide ficar com a casa dos seus pais (sim, é uma casa victoriana, ao nível das dos episódios I e II). Mas a casa está em cima de um local sagrado dos índios e estranhos eventos começam a ocorrer.

O regresso às origens não passa apenas pelo regresso de Roger, mas também pelo retomar da combinação de drama, terror e comédia, que fez sucesso com o primeiro filme.

Elogia-se a intenção e tentativas, mas o resultado está mais próximo de um rotineiro drama familiar e de uma rotineira sit-com. Isto não é, forçosamente, um factor negativo, mas apenas é demonstrativo que a saga nunca conseguiu repetir a garra e encanto do primeiro filme. O facto de ser uma produção straight to vídeo impede o título de ter melhores meios de produção.

Quanto a sustos, há poucos, destacando-se apenas o momento com a pizza (que começa com a capacidade de susto, seguindo depois mais para a gargalhada). Os dois primeiros actos arrastam-se um pouco pelo “melodrama”, mas nos últimos 20 minutos até se consegue alguma tensão, à medida que as peças se vão juntando.

Mesmo assim, “House IV” vê-se bem, diverte, não ofende a saga e até consegue estar acima (o que não seria difícil) do terceiro episódio.

Trailer

No mercado português, o primeiro filme chegou a ser editado em VHS e estar disponível para aluguer. Não me recordo se o segundo filme teve honras de distribuição lusa. Dos episódios 3 e 4, nada sei.

Neste momento, não sei se algum deles tem presença no mercado doméstico.

Os dois primeiros episódios estão a preço de culto na Amazon. Ou seja, caros. A não ser que se opte por um item já usado, onde se apanha preços mais simpáticos (mas não pechincha). Existe também um pack com os 4 títulos, a preço não modesto, mas mais acessível que os episódios 1 e 2.

“House”- o medo e a diversão das casas assombradas e o bom “terrir” dos 80s.

Façam a visita. Vão-se rir (imenso) com os sustos que apanham.

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