Le Deuxième Souffle

 

 

José Giovanni é um dos grandes mestres do Polar literário, cujas histórias foram muito inspiradas na sua vida à margem da lei.

Um dos seus melhores romances inspirou duas versões, assinadas por dois grandes mestres do Polar cinematográfico.

E é difícil escolher qual a melhor.

 

 

O Segundo Fôlego (1966)

 

Título original – Le Deuxième Souffle

 

“Gu” escapa da prisão. Reencontrado com antigos compinchas e com a sua eterna chama, Gu é contratado para uma enorme golpada. No seu encalço está o Comissário Blot. Mais que um conflito entre dois homens nos lados opostos da lei, todos os eventos que se vão desenrolar vão levar ambos a confrontarem a ética particular de cada um face a um meio onde tal é apenas uma palavra.

Jean-Pierre Melville é considerado (correctamente) como o Pai da Nouvelle Vague. Mas é, acima de tudo, Le Maitre du Polar. Este género é exclusivo do cinema francês (pode-se dizer que é o equivalente do Film Noir americano – embora tal expressão tenha sido criada pelos analistas cinéfilos franceses – para o cinema francês), mas Melville ficou com a paternidade total (“Le Samourai”, “Le Cercle Rouge”, “Le Doulos”).

Fiel ao estilo que sempre tratou com mestria, Melville dirige com “lentidão”, frieza, distância, mas um olhar clínico, cirúrgico e detalhado sobre os meandros do crime (desde os ambientes, às planificações, execuções e consequências). Mas também sempre com uma forte presença da psicologia e moralidade dos protagonistas, homens com fortes convicções éticas em permanente confronto com meios e tempos onde tal é desprezado em pró da ganância e traição.

Como sempre em Melville, presença de uma violência seca, mas brutal, impecavelmente filmada (vejam-se as confrontações finais).

Melville nunca faz comentários nem moralismos sobre o que filma, mas deixa considerações ao espectador face à atitude de alguns personagens (veja-se o final).

Fantástico Lino Ventura (com toda aquele dureza cheia de classe, que só ele sabia criar) face-a-face a um estupendo Paul Meurisse.

Obra-prima.

Embora (ligeiramente) “inferior” a “Le Samourai” e “Le Cercle Rouge” (este é ainda, e sempre, a obra máxima de Melville).

Realizador: Jean-Pierre Melville

Argumentistas: Jean-Pierre Melville, José Giovanni, a partir do romance de José Giovanni (“Un Règlement de Comptes”)

Elenco: Lino Ventura, Paul Meurisse, Raymond Pellegrin, Christine Fabréga, Marcel Bozzuffi, Paul Frankeur, Denis Manuel, Jean Négroni, Michel Constantin, Pierre Zimmer, Pierre Grasset, Jacques Léonard

 

Trailer

 

Clips

 

Entrevistas com Jean-Pierre Melville, Paul Meurisse e Lino Ventura

 

 

 

Bilheteira – 1.9 milhões de Espectadores (França)

 

Esteve nomeado para “Melhor Filme”, no Festival de Faro 1966.

Baseado no romance “Un Règlement de Comptes”, de José Giovanni. Giovanni moveu-se muitos anos no mundo do crime organizado, esteve preso, cumpriu a pena e usou o que viveu, viu e aprendeu para os seus romances. Giovanni é um importante escritor de romances noir e foi adaptado ao cinema por várias vezes. Giovanni também chegou a realizar filmes.

 

Jean-Pierre Melville queria fazer o filme dois anos antes. Serge Reggiani e Simone Signoret iam ser os protagonistas. Reggiani tinha trabalhado com Melville em “Le Doulos”.

 

Melville chegou a considerar Paul Meurisse para Gu. Tal irritou Giovanni. Lino Ventura foi então escolhido.

Ventura e Giovanni eram amigos, mas o escritor achou o actor demasiado bruto para o personagem.

Mel Ferrer ia interpretar Orloff. Mas ele teve um forte desentendimento com Melville e foi-se embora. Melville não viu problema e tal, pois nunca considerou o actor como o adequado para o personagem. Pierre Zimmer foi chamado para o substituir.

Michel Constantin e Lino Ventura são ex-desportistas – Ventura fazia wrestling e Constantin jogava voleibol. Ambos foram descobertos por Jacques Becker – “Touchez Pas Au Grisbi” para Ventura e “Le Trou” para Constantin.

 

O bar onde ocorre a matança no início do filme fica na Avenue Kléber, em Paris. É a mesma rua onde Melville filma o começo de “L’Armée des Ombres” (1969) – quando Philippe (Lino Ventura) foge da Gestapo.

Na filmagem do momento em que Lino Ventura corre atrás do comboio, Melville pediu ao maquinista para acelerar. O rosto de Ventura mostra bem o esforço do actor. Melville queria captar esse esforço e usá-lo no personagem e mostrar o seu esforço e desespero pela liberdade. Mas Ventura ficou bem chateado com Melville por causa e tal e ambos zangaram-se. Voltaram a trabalhar juntos (“L`Armée des Ombres”, em 1969), mas não se falavam, só através dos respectivos assistentes.

O momento em que o grupo está na estrada, à espera do comboio do ouro, é influenciado por um momento semelhante do filme “Odds Against Tomorrow” (1959, de Robert Wise, com Harry Belafonte, Robert Wise, Gloria Grahame e Shelley Winters).

Body count – 12.

 

Lino Ventura e Paul Meurisse voltariam a trabalhar com Melville em “L’Armee des Ombres”.

 

Foi um dos maiores sucessos de Jean-Pierre Melville.

É o filme preferido de Werner Herzog.

Martin Scorsese confessa que o estilo e tom de “The Irishman” (2019) é muito influenciado por Jean-Pierre Melville e por dois dos seus filmes – “Le Doulos” (1962, com Jean-Paul Belmondo) e “Le Deuxième Souffle”.

 

 

 

Le Deuxiéme Souffle (2007)

 

Remakes não são exclusivos de Hollywood. O cinema francês também usa, algumas vezes, tal “técnica”.

Desta vez, o clássico de Melville é alvo de uma modernização por parte de Alain Corneau, um veterano e mestre do Polar (“Police Python 357”, “Le Choix des Armes”).

 

A história é praticamente igual. Estamos nos anos 60. Gu Linda sai da prisão e procura sossego na companhia da sua amada Manouche. O convite a uma grande golpada parece irresistível para as suas capacidades. A perseguição do Comissário Blot, polícia da velha guarda, e uma série de traições dos seus cúmplices, vão levar Gu a uma confrontação derradeira, principalmente pela sua honra.

Corneau tem consciência que é impossível fazer melhor que Melville. Por isso, inteligentemente, segue uma abordagem (visual e emocional) diferente.

Corneau filma a cores e carrega na saturação de algumas cores primárias (amarelo, vermelho, verde), assemelhando-se ao tom cromático de alguma bd, dando ao filme uma estética única. A violência é mais explícita (o original era muito contido, ainda que intenso), mas nunca cai no extremo e no mau gosto, graças a uma estilização que recorda a forma como ela é encenada no cinema oriental (não é difícil verem-se influências de John Woo e Johnnie To – “por acaso”, dois cineastas ligados à violência e ao mundo do crime, cuja divulgação internacional muito foi ajudada pelos circuitos cinéfilos franceses) até mesmo a alguns momentos do cinema de Scorsese. Ao tom frio do filme original, Corneau opõe com um romantismo algo terminal.

Daniel Auteil está muito competente (mas sem aquela classe de duro que tinha Lino Ventura), mostrando-nos um Gu violento, cansado, mas íntegro. Eric Cantona é uma surpresa na sua viril lealdade. Michel Blanc muito humano como Comissário. Cativante (como sempre) está uma esbeltíssima Monica Bellucci (loira – e que fatal que ela fica), intensa na sua devoção sentimental.

Outra obra-prima.

Realizador: Alain Corneau

Argumentistas: Alain Corneau, José Giovanni, a partir do romance de José Giovanni

(“Un Règlement de Comptes”)

Elenco: Daniel Auteuil, Monica Bellucci, Michel Blanc, Jacques Dutronc, Eric Cantona, Daniel Duval, Gilbert Melki, Nicolas Duvauchelle, Jacques Bonnaffé, Philippe Nahon

 

Trailer

 

Orçamento – 23.6 milhões de Euros

Bilheteira – 448.000 Espectadores (França)

 

“Gérard ao Desespero Feminino” (Monica Bellucci), nos Gérard du Cinema 2008.

“Melhor Filme” e “Melhor Actriz” (Monica Bellucci), nos Brutus 2008.

Nomeado para “Melhor Fotografia”, nos César 2008. Perdeu para “La Vie en Rose”.

Alain Corneau conhecia José Giovanni desde há muitos anos.

Corneau gostava da versão de Melville, mas Giovanni não. O escritor considerava que a versão de 1966 não tinha emoção e sentimentos, algo que ele tinha investido muito no seu romance.

 

Depois de “Police Python 357” e “La Menace”, Corneau procura um novo projecto. Entre 1970 e 1975, Corneau e Giovanni moveram esforços para uma nova versão de “Le Deuxième Souffle”.

Há mais de 30 anos que Corneau ambicionava fazer este filme.

Corneau procurou ser o mais fiel possível ao romance de Giovanni, no sentido de fazer adendas à versão de Melville. A principal ênfase foi a relação entre Gu e Manouche (reforçando o romantismo de tal) bem como a personalidade do Comissário Blot.

Quando o projecto começou, Corneau já tinha Daniel Auteuil em mente e falou com Giovanni sobre tal. O escritor adorou a ideia, pois viu em Auteuil a pessoa com o perfil que mais se aproximava do que ele tinha idealizado para o personagem quando escreveu o romance. Curiosamente, e apesar de serem amigos, Giovanni nunca concordou com a escolha de Lino Ventura (protagonista da versão original) para Gu, pois considerava-o demasiado duro.

Monica Bellucci decidiu pintar o seu cabelo loiro para ter um visual mais adequado a um ambiente de gangsters.

Tal como o filme original, o remake também se passa nos anos 60.

 

O filme foi exibido nos Festivais de Roma e de Toronto 2007.

 

O filme é dedicado a José Giovanni.

 

 

Qualquer uma das versões de “Le Deuxiéme Souffle” é grande Cinema, o Polar ao seu melhor, dirigido por dois grandes Maitres do género (ainda que o original venha do seu “professor” e o remake venha de um “aluno”).

 

Ambos contam exactamente a mesma história, sendo a versão de Melville mais fria e fiel ao estilo (visual e narrativo) do cineasta, com a versão de Corneau a ser mais estilizada na imagem e na encenação da violência, procurando dar mais ênfase ao lado romântico da narrativa (a relação entre Gu e Manouche, bem como nos esforços desta em salvá-lo). Nas duas versões, temos dois retratos implacáveis do mundo do crime, um mundo que não tem espaço para romantismos, sendo por isso um conto sobre a defesa da integridade e honra de um homem (Gu é um assassino e um homem socialmente repulsivo e reprovável, mas tem um código de ética num mundo que não sabe o que isso é).

 

É muito difícil decidir qual a melhor versão.

É certo que a versão de Melville chegou primeiro e ganhou estatuto, mas a versão de Corneau faz adendas muito subtis e inteligentes.

E perante isto, quem ganha é o cinéfilo, pois pode contemplar duas grandiosas obras cinematográficas.

 

Os dois filmes são inéditos (a sério??? que “surpresa”!!!) no mercado doméstico português. O filme de Melville ainda chegou às nossas salas. O de Corneau não teve direito a esse “luxo”.

 

Sobre José Giovanni

https://www.theguardian.com/news/2004/may/17/guardianobituaries.books

https://www.legrandaction.com/realisateurs/jose-giovanni/

https://www.goodreads.com/author/show/328902.Jos_Giovanni

https://www.filmnoirfoundation.org/noircitymag/Jose-Giovanni.pdf

 

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s