Cedo ou tarde, um Long Goodbye cinéfilo chegaria a terras lusas.
É um “adeus lusitano” ao nosso querido, centenário e tripeiro Manoel de Oliveira.
Oliveira nasce a 11 de Dezembro de 1908, no Porto, na freguesia de Cedofeita, no seio de uma família burguesa e fidalga.
A juventude leva-o ao desporto, onde é campeão de salto à vara e pratica com entusiasmo o automobilismo.
Aos 20 anos ingressa numa escola de actores, fundada por um prestigiado professor italiano radicado em Portugal.
Fascinado pelo documentário, assina “Douro, Faina Fluvial” (1931), ainda em fase de mudo.
Como actor, participa num dos primeiros filmes sonoros portugueses – “A Canção de Lisboa”, de Cottinelli Telmo (1933).
Não se identificando com aquele género de cinema e não se sentindo confortável com a representação, Oliveira decide enveredar pela realização e por outros temas e géneros.
Em 1942 assina a sua primeira longa-metragem e um dos seus filmes mais acarinhados e populares – “Aniki-Bobó”.
E com este filme, Oliveira abre as portas a um novo género – o Neo-Realismo.
Sim. O Neo-Realismo. Oliveira antecipa-se a Vittorio De Sica com o seu “Ladri di Biciclette”, que é só é feito em 1948.
Não sou eu que o digo, é uma cada vez mais crescente onda de analistas e historiadores que afirmam e provam que o Neo-Realismo nasce em Portugal, com Manoel de Oliveira e em “Aniki-Bobó”.
Continua na realização, entre o documentário e curtas e nos anos 70 começa o pleno da sua filmografia.
Podem-se destacar “O Passado e o Presente”, “Benilde ou a Virgem Mãe”, “Amor de Perdição”, “Francisca”, “O Meu Caso”, “Os Canibais”, “Non, ou a Vã Glória de Mandar”, “A Divina Comédia”, “O Dia do Desespero”, “Vale Abraão”, “A Caixa”, “O Convento”, “Inquietude”, “A Carta”, “Palavra e Utopia”, “Belle Toujours”, “O Estranho Caso de Angélica”.
Tinha três projectos em agenda – “A Igreja do Diabo”, que seria protagonizado por Fernanda Montenegro e Lima Duarte; “A Ronda da Noite”, que marcaria o seu reencontro com Agustina Bessa-Luís; um título sobre a importância das mulheres no trabalho das vindimas.
O seu trabalho leva-o para diversos países da Europa, sendo bem recebido, elogiado e premiado em festivais importantes como Cannes ou Veneza.
Chega a trabalhar com grandes actores nacionais (Luís Miguel Cintra, Leonor Silveira, Diogo Dória, João Perry, Ruy de Carvalho, Mário Viegas, Maria de Medeiros) e mundiais (Michel Piccoli, John Malkovich, Catherine Deneuve).
É sob as ordens de Oliveira que Marcello Mastroianni se despede do Cinema – ocorre em 1997, com “Viagem ao Princípio do Mundo”, com direito a filmagens na “casa” do nosso site e do cineclube que o origina (Caminha – atente-se à forma como Oliveira filma a marginal).
Oliveira acompanha mais de um século da nossa História, bem como as diversas revoluções técnicas (tem filmes mudos e sonoros, a P&B e a cores), estéticas, financeiras, logísticas e políticas do nosso cinema.
Quase toda a sua filmografia tem edição em Portugal, alguns títulos até andam a bom preço, mas é de esperar, dadas as circunstâncias, que muitos desses títulos recebam em breve novas edições.
Ao despedirmo-nos de Manoel de Oliveira, dizemos adeus a um homem notável que viveu para o Cinema, um português que levou e honrou a nossa cultura para outras fronteiras, que ilustrou um pouco da nossa alma lusitana e até a do Porto, que abordou temas universais e intemporais do ser humano, um criador de uma obra única (tanto do ponto de vista temático como estético). Uma obra talvez nunca inteiramente compreendida, certamente nunca popular e consensual, mas seguramente fascinante e personalizada.
E conseguiu ser centenário, continuar em actividade e com ideias, bem como ser o mais veterano cineasta em actividade.
Adeus Mestre Manoel.
Evocações
http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=30&did=183199
http://www.jn.pt/live/Artesevida/default.aspx?content_id=4490604
http://www.lux.iol.pt/nacional/03-04-2015/john-malkovich-no-porto-para-funeral-de-manoel-de-oliveira
http://www.rtp.pt/extra/index.php?article=921&visual=4
Vale Abraão – o filme completo