Godzilla: Os Filmes – Parte 4: Anos 80

Godzilla - 80s - Screenshot 1

Chegamos aos 80s.

Terminou a Era Showa. Começa a Era Heisei.

Nesta década, apenas dois filmes. Bem sérios, negros, violentos e trágicos.

 

 

 The Return of Godzilla - Poster 1

The Return of Godzilla – O Regresso de Gozilla (1984)

 

Título original – Gojira

 

Godzilla celebra 30 anos.

A sua prenda passa por um quase reboot, um back to the roots, uma mudança de tom e com Godzilla a ser um bad guy.

 

30 anos depois da sua primeira aparição em Tóquio, Godzilla regressa. Vem esfomeado e começa logo por comer o conteúdo de um reactor nuclear.

Mas para ajudar na digestão, Godzilla vem até á cidade fazer exercício.

Os humanos vão tentar travá-lo com uma nova arma – uma nave artilhada chamada de Super X.

 

Este novo filme funciona como um reboot, mas é também uma sequela directa do filme original (focam-se eventos do filme de 1954 e até se mostram algumas imagens).

The Return of Godzilla - screenshot 1

Depois de duas décadas a vermos Godzilla como um amigo e protector dos humanos, voltamos a ver o “Lagartinho” como uma criatura má (assim também era no filme original). Bom, menos simpático connosco e mais interessado em mass destruction.

Depois de duas décadas em tom campy e infantil (e nada de mal vi nisso, pelo contrário, pois diverti-me imenso), a saga procura regressar às suas raízes – um tom mais sério e negro, com alguma proximidade ao terror.

Como grande fã de Godzilla, é claro que me custa vê-lo como “mauzinho”. Mas encontrei uma compensação para tal. Ao vê-lo no filme, penso que Godzilla esteve em hibernação durante 10 anos, acordou algo ressacado e com fome. E nos seus primeiros dias, andou algo alterado. Acontece aos melhores.

The Return of Godzilla - screenshot 5

Mas vamos ao filme.

Estamos perante um monster flick/kaiju movie de bom calibre, competência e espectáculo, inserindo-se perfeitamente no melhor do género.

Tal como o filme original, o tom é sério e com (ligeiros) elementos de terror. Tal como no filme original, volta a estar presente uma componente científica e de parábola nuclear. Tal como no filme original, há forte e importante presença humana (um Primeiro-Ministro japonês hesitante no uso de armas nucleares contra Godzilla, pois quer salvaguardar o máximo de vidas humanas; um quarteto amoroso, com três homens à volta de uma beldade nipónica, mas por diferentes razões).

Como acréscimo há uma componente político-militar muito actual (soviéticos metidos ao barulho para retaliação – Godzilla tinha-lhes destruído um submarino nuclear (hey, Godzilla tinha fome; e os soviéticos eram os inimigos do mundo na época, por isso Godzilla foi um herói do mundo livre) -, americanos metidos na contenta – tudo se resolve com bombas nucleares e depois vê-se) e plena de ironia (os soviéticos são os primeiros a lançar armas atómicas, os americanos têm de as travar e Godzilla agradece tanto fumo nuclear no ar, pois assim sacia-se com um vasto banquete).

Por outro lado, a narrativa centrada no quarteto amoroso leva o filme, no seu terceiro acto para uma bem conseguida evocação a alguns arquétipos do filme-catástrofe.

E até há lugar para humor (o vagabundo a deliciar-se com o que há nas mesas e quem é que aparece para um snack?).

Portanto, boas coisas a nível narrativo e humano.

The Return of Godzilla - screenshot 6

Mas isto é um Godzilla movie. Portanto, queremos Godzilla action.

Nada a temer.

É certo que temos de esperar 33 minutos, mas vale a pena.

A sua primeira aparição é logo num longo plano, capaz de nos tirar o fôlego, pois ilustra toda a gigantesca e assustadora dimensão de Godzilla. Depois Godzilla arrasa com uma instalação nuclear e chama um petisco ao conteúdo de um reactor. Quando chega à cidade, reduz a pó toda uma linha de artilharia defensiva (seriously?). Tóquio é devastada pelos pés e cauda de Godzilla.

Tudo ilustrado em monumentais momentos de monster destroy ao nível do melhor que conhecemos em Godzilla action.

Excelentes efeitos visuais (que, em vários momentos, recordam a técnica/estética dos 50s em matéria de sci-fi e monster flicks) e um Godzilla mais sério, medonho, brutal e gigantesco.

Portanto, há bom argumento, boas ideias, tom adequado, espectáculo visual, emoções e reflexões e… Godzilla, em grande.

Um excelente regresso do “King of Monsters”, ainda que virado para o dark side.

The Return of Godzilla - screenshot 7

Repito, adorei os títulos campy dos 60s e 70s, mas a verdade é que a saga precisava de uma mudança de tom e rumo (na verdade, todas as longas sagas precisam, cedo ou tarde).

E, como se sabe, Godzilla never dies. Portanto, Ele vai regressar.

 

Realizador: Koji Hashimoto (R.J. Kizer filmou cenas adicionais para a versão USA)

Argumentistas: Shuichi Nagahara, Tomoyuki Tanaka

Elenco: Ken Tanaka, Yasuko Sawaguchi, Yôsuke Natsuki, Keiju Kobayashi, Shin Takuma

 

Trailer:

 

Eis o “jantarzinho” de Godzilla na instalação nuclear:

 

Newcomer do Ano” (Yasuko Sawaguchi), “Prémio Especial” (a Teruyoshi Nakano e à sua equipa de efeitos visuais), pela Academia Japonesa 1986.

Yasuko Sawaguchi - Photo 3

Quando Godzilla faz explodir um helicóptero, vê-se, em background, um poster de “Ghostbusters”.

Há quase 10 anos que a Toho queria fazer o regresso de Godzilla. Numa verdadeira Godzilla-mania, durante um festival em 1983, onde foram apresentados todos os filmes da saga, o estúdio deu conta o quanto Godzilla ainda era popular e avançou com um novo filme.

The Return of Godzilla - screenshot 8

No início dos 80s surgiram vários argumentos (“The Resurrection of Godzilla,” “Godzilla Vs. Gargantua”). O primeiro foi o que teve mais desenvolvimento. Seria uma sequela directa ao filme original e mostraria o ressurgir de Godzilla devido à largada de lixo nuclear (Godzilla é um “produto” do nuclear e o filme voltaria a fazer a sua parábola sobre tal área) e enfrentaria um monstro chamado Bagan, uma criatura que tinha o recurso de estar sempre a mudar de forma e tamanho. Uma outra versão mostrava Godzilla em confronto com um avião especial denominado de Super-Beetle, cheio de truques e armas para derrotar o monstro. O filme terminaria com Godzilla derrotado, a flutuar pelo Oceano Pacífico, a aproximar-se da costa americana, nas imediações de uma instalação nuclear, e com os olhos de Godzilla a abrirem (mais uma vez, a parábola ao nuclear).

O produtor Tomoyuki Tanaka bem tentou que Ishirō Honda (o veterano realizador da saga, do estúdio e do género Kaiju) assinasse a realização, mas Honda recusou, pois achava que Godzilla deveria sair de cena após a morte de Eiji Tsuburaya (o criador dos efeitos visuais desde o início da saga até 1968).

The Return of Godzilla - screenshot 11

Akihiko Hirata, o Dr. Serizawa do filme original, ia regressar e retomar o seu personagem. Mas perto do início das filmagens, Hirata faleceu.

Para a montagem USA, o filme retoma o personagem de Raymond Burr (que já tinha aparecido na montagem USA do filme original).

Kenpachiro Satsuma era o novo Godzilla. Ficaria nesse papel até 1995, final da Era Heisei. Nas filmagens sofreu alguns ligeiros ferimentos, culminando numa grande perda de peso. O fato não estava feito à sua medida (Satsuma substituiu à última da hora um outro actor), era muito pesado e permitia pouca mobilidade. Mas tudo mudaria para melhor nos filmes seguintes.

Pela primeira vez, desde o filme original, Godzilla não enfrenta outro monstro.

The Return of Godzilla - screenshot 12

Foi o primeiro Godzilla film a sofrer dobragem na Coreia. Até então, eram todos legendados.

Ao longo do filme, Godzilla é um misto de várias técnicas – man on a suit, dummy (de vários tamanhos, consoante a cena) e robot. O uso do robot foi muito publicitado pela Toho, que afirmava que seria a técnica do futuro, na saga. Mas dificuldades mostradas na hora da locomoção levaram ao uso da técnica man on a suit, por razões práticas e de nostalgia.

O primeiro Godzilla film filmado em 1.85:1 aspect ratio. Até 1995 seria sempre assim.

The Return of Godzilla - screenshot 10

Yasuko Sawaguchi (que miminho de menina) era a grande aposta da Toho, que tinha ganho (é justo) o concurso “Toho Cinderella” 1984. Yasuko regressaria à saga, 5 anos depois com “Godzilla vs Biollante”, mas com uma personagem diferente (a seu lado está Megumi Odaka, vencedora “Toho Cinderella” 1987).

O filme foi um razoável sucesso no Japão. Nos USA as coisas não correram melhor, pelo que este foi o último Godzilla film a ser distribuído lá, até 1999 com “Godzilla 2000: Millennium”.

 

 

Godzilla vs Biollante - Poster 1

Godzilla vs. Biollante – Godzilla Contra-Ataca (1989)

 

Título original – Gojira vs. Biorante

 

O segundo e último título da década. É também sequela do filme anterior.

 

Godzilla regressa do “túmulo de fogo” onde o deixaram no final do filme anterior (pudera, com o calor e aperto que fazia, Godzilla quis arejar e refrescar-se). Um cientista combina DNA de rosas com o DNA de Godzilla, mais um pouco de DNA da sua falecida filha. Assim nasce Biollante, uma criatura híbrida. O embate entre ela e Godzilla é devastador, mas qual dos dois é preferível que saia vencedor?

Godzilla vs Biollante - Screenshot 1

Este é um dos títulos mais curiosos e interessantes da saga, por causa da mescla de ideias e intenções.

Mais uma vez, volta-se a abordar a forma como a Ciência brinca com a Natureza, armando-se em Deus. Mais uma vez, mostra-se que as consequências são algo destrutivas.

(apesar das boas intenções do cientista, que apenas queria manter algo vivo da sua falecida filha)

Godzilla é mostrada como uma criatura que nem é boa ou má. É uma criação do Homem e da Natureza, que apenas quer o seu espaço e ser deixada em paz.

Há uma intriga que visa uma bactéria capaz de consumir matéria nuclear.

(seria uma arma contra Godzilla, mas também uma segurança de Humanidade face aos malefícios de tal tecnologia)

Godzilla vs Biollante - Screenshot 4

Há, portanto, boas ideias que impedem que o filme seja apenas um vulgar kaiju movie.

É certo que “salada mista” não fica misturada e “temperada” da melhor maneira, mas elogiam-se as ideias e intenções.

Como kaiju movie e Godzilla movie que é, “Godzilla vs Biollante” não defrauda. Há suspense (a primeira acção de Biollante), humor (quando as crianças mostram, em desenhos, o que sonharam na noite anterior; o militar em posição para alvejar Godzilla, surge-lhe uma visita à janela e o que se segue… é pura Godzilla efficiency), assombro, (a saída de Godzilla do vulcão e a primeira aparição de Biollante), alguma espiritualidade oriental (a forma como se procura apelar à alma humana de Biollante), kaiju destruction (o duelo de Godzilla face a uma armada, a passagem de Godzilla por Osaka) e, claro, monstruosa kaiju action (o embate entre Godzilla e Biollante é titânico).

Final aberto a diversas interpretações.

Godzilla vs Biollante - Screenshot 3

“Godzilla vs Biollante” continua, bem, o percurso iniciado por “The Return of Godzilla”. Seriedade, drama humano, tom negro e ideias complexas.

Repito, um dos mais curiosos e interessantes títulos da saga.

Godzilla vs Biollante - Fun Poster

 

Realizador: Kazuki Ohmori

Argumentistas: Shinichirô Kobayashi, Kazuki Ohmori

Elenco: Kunihiko Mitamura, Yoshiko Tanaka, Masanobu Takashima, Megumi Odaka, Yasuko Sawaguchi

 

Newcomer do ano” (Masanobu Takashima), pela Academia Japonesa 1991.

“Melhor Actriz” (Yoshiko Tanaka), no Concurso de Filmes Mainichi 1990.

Yoshiko Tanaka - Photo 2

A outra beldade é Megumi Odaka.

Megumi Odaka - Photo 1

 

O vilão iria ser uma criatura híbrida rato-peixe.

Em 1986 foi feito um concurso para se descobrir como deveria ser a história do novo Godzilla movie. Shinichirô Kobayashi, dentista e argumentista em part-time, venceu. O argumento final mantém algumas das ideias (a criação de Biollante, alguns personagens e parte do fim), mas alteras outras – a presença do tal rato-peixe (em substituição há mais batalhas entre Godzilla, Biollante e Super X II), Biollante a “despejar” uma descarga de energia sobre Godzilla que este absorve e usa como arma de retaliação (seria um possível final) e uma colina a florescer após a morte de Biollante (um final em aberto que mostraria que Biollante poderia renascer). O argumento que ficou em segundo lugar também deu origem a um filme – “Ganheddo” (1989).

O filme falhou nas bilheteiras (apesar de boas opiniões da crítica). A Toho achou que tal se devia ao monstro Biollante e ao facto de ser um desconhecido para os fãs de Kaiju. Como tal, para a década seguinte, o estúdio recuperou alguns dos monstros do passado.

Godzilla vs Biollante - Screenshot 2

Para animar Biollante era necessária uma equipa de 20 pessoas.

A destruição das torres demorou três takes. Partes de todos eles são usadas na montagem final.

Foi feito recurso à técnica de stop-motion, mas a cena em causa foi descartada da montagem final. A equipa técnica achava que destoava com o look das outras cenas que requeriam efeitos visuais.

Godzilla vs Biollante - Screenshot 6

Em 1990, a Toho andou em negociações com a Miramax para uma distribuição nos USA. Mas as negociações falharam. A Toho ainda andou com a Miramax em tribunal e ganhou (os americanos tinham feito um acordo oral na distribuição e depois negaram). O filme seria lançado directamente no mercado doméstico.

 

 

Godzilla - 80s - Screenshot 2

A década de 80 traz apenas dois filmes.

É pouco? Sim.

São bons? Sim.

É um facto que os filmes deixaram de ser divertidos e infantis. É certo que Godzilla deixou de ser um herói e bonzinho.

Mas os filmes não dão uma visão maniqueísta e maléfica de Godzilla.

Godzilla é agora um anti-herói, uma criatura que nasceu como resposta da Natureza face aos erros tecnológicos do Homem, procurando a sua afirmação e lugar no mundo.

 

A década de 90 continuaria no mesmo tom (narrativo, estético, técnico), com o regresso de muitas das criaturas inimigas de Godzilla.

 

Em breve vou até lá.

 

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