Neil Marshall é um realizador escocês que se tem revelado um dos mais hábeis realizadores contemporâneos no campo do fantástico e do terror. Quatro títulos mostram-no um realizador apaixonado, empenhado e criativo, capaz de criar títulos de puro entretenimento, mas selvagens, atmosféricos e até cinéfilos.
Vejamos:
DOG SOLDIERS – LOBOS ASSASSINOS
Poderia ser o “Assalto na 13ª Lua Cheia”.
Um grupo de militares em exercícios nas montanhas acaba sitiado numa cabana. Quem os cerca? Um bando de esfomeados lobisomens.
Entre o terror (os ataques dos “lobos” são bem violentos), a acção (as vigorosas confrontações) e o humor (veja-se o momento em que um viril militar cura um rasgão nas tripas com… fita-cola), Marshall dá-nos um filme dinâmico, divertido e de grande competência técnica, mostrando que é um ávido cinéfilo (vêem-se referências a vários títulos – “Assault on Precinct 13”, “The Evil Dead”, “Night of the Living Dead”, “An American Werewolf in London”, “Deliverance”, “Southern Comfort”) e um competente artesão.
Muita boa estreia como realizador.
Venceu vários prémios em festivais.
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O filme na íntegra
THE DESCENT – A DESCIDA
Foi com este filme que Marshall ficou no mapa.
Um grupo de amigas, amantes de espeleologia, decide investigar uma caverna. Mas devido a um azar, o grupo não pode regressar pelo mesmo caminho. A solução passa por continuar pela caverna abaixo e procurar uma saída. Mas tudo se complica quando o grupo descobre que não está sozinho. E a companhia não é ávida de espeleologia, mas de sangue.
Um crítico considerou “The Descent” como o melhor filme de terror britânico desde “Alien”. Exagero? Nem por isso.
Tal como Ridley Scott, Marshall começa por estabelecer o grupo, as suas relações e personalidades. Demora o tempo que precisa para tal e na exploração da caverna. Se já há méritos que chegue na claustrofóbica atmosfera criada (vejam o filme em total escuridão na sala e depois digam-me), tudo “melhora” com a chegada do terror. Marshall não dá explicações para as criaturas e raramente as filma. Apenas visualizamos o medo que elas suscitam nas meninas (e no espectador) e as consequências dos ataques (com todo o medo, paranóia, histeria que se cria no grupo, aliado à sensação de claustrofobia e incapacidade de fuga – ao inimigo e para o exterior).
Shauna MacDonald e Natalie Mendoza cativam a atenção, à frente de um muito capaz elenco feminino (todas elas muito dignas do voyeurismo do espectador).
Brilhantemente assustador. Marshall passava a ser um talento a ter em conta.
Também venceu imensos prémios em festivais.
A actriz Shauna MacDonald sofre de claustrofobia e foi-lhe (muito) fácil representar o medo num ambiente tão apertado e escuro.
Site – http://www.thedescentfilm.com/
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THE DESCENT – PART 2 – A DESCIDA – PARTE 2
Neil Marshall fica como produtor executivo. O realizador Jon Harris tinha sido o editor no primeiro filme. Aqui estreia-se na realização, mantendo funções na montagem.
Quem viu o primeiro filme, interroga-se pela sequela, sabendo que mantém duas meninas do elenco feminino original.
A explicação passa pela diferença entre os cuts europeus (com um final que “impede” a sequela) e americano (com um final mais “permissivo”). A sequela deriva do cut americano.
Sarah, sobrevivente dos eventos do filme anterior, explica às autoridades o que se passou. Descredibilizada, Sarah junta-se a uma equipa de resgate/exploração para provar o que aconteceu e salvar as amigas ainda consideradas vivas e perdidas. A missão revela-se um pesadelo, quando o grupo começa a ser atacado (agora que já sabemos por quem, as criaturas têm maior visualização). Mas o inimigo está em grande número.
Harris dirige em plena sintonia com o tom do filme anterior. Mas como já não há surpresas sobre o que vai acontecer devido a quem, Harris dá ao filme um tom ainda mais violento, selvagem e claustrofóbico. Pleno de momentos choque (a descoberta do cadáver e o que se segue, o primeiro encontro com uma das criaturas e o desenrolar, a libertação de duas pessoas presas por algemas), medo (o “aperto” do casal perante um intruso, o encontro com uma “visita” no túnel, o covil), o filme não se inibe de surpresas (a súbita ajuda nas cavernas, a confrontação final e a sua conclusão), de um final-surpresa e até deixa pontas soltas para uma eventual nova sequela (o final e as perguntas que suscita).
Tal como tinha acontecido em “Aliens” (filme que inspirou “The Descent – Part 2”), o filme propõe uma evolução emocional e física na protagonista (Shauna MacDonald está ainda mais aguerrida), aliado ao factor tensão que se torna ainda mais insustentável devido ao aumento do inimigo em número de indivíduos.
Uma sequela de grande nível.
Um fan-blog – http://thedescentpart2.skyrock.com/
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DOOMSDAY – JUÍZO FINAL
Um regresso em grande de Marshall.
Escócia, futuro. Um vírus extermina cerca de 90% da população. O governo britânico cria um muro para proteger a Inglaterra. A Escócia passa a ser uma terra de ninguém, de sobreviventes, de proscritos e doentes. Contudo, uma variante do vírus surge em Londres e descobre-se que na Escócia pode haver gente imune. Uma mulher, de atitude bem rebelde e com um passado misterioso ligado ao momento da origem do vírus, tem como missão (impossível) ir à Escócia e recolher uma vacina. O caos é total e a protagonista descobre que a verdade não é aquela que foi contada pelo governo.
Marshall faz do filme a sua enciclopédia cinéfila. São visíveis ecos de George Miller/“Mad Max” (o futuro apocalíptico, o caos, o mundo “governado” por gangues violentos), John Carpenter/“Escape from New York” (o muro, falta de ordem, governo incapaz, protagonista rebelde ao sistema e com pala à pirata) e George Romero/a saga dos “Dead” (a forma como se visualizam as movimentações dos doentes e dos gangues).
Um grande entretenimento que ilustra o poder visual de Marshall, a força e fúria dos seus títulos e que retoma algum do melhor que o género teve nos 70`s e 80`s (e só por isso já é um momento de festa para a “memória cinéfila” de muitos cinéfilos).
Rhona Mitra está muito bem, como heroína (distribui porrada e deixa cadáveres como os grandes “machos” do género) e como mulher (muito espectador vai assobiar).
Lamenta-se que pouca gente o tivesse desfrutado sem preconceitos.
Apesar de tantas cenas perigosas, só uma é que causou ferimentos (ligeiros) num duplo.
O filme está localizado na Inglaterra e Escócia, mas foi filmado na África do Sul.
Para a (espectacular) perseguição final, o filme faz uma excelente publicidade às capacidades do Bentley Continental GT. Contudo, a marca não quis apoiar o filme, dai que os produtores tiveram de comprar três veículos.
O Bentley Continental GT – http://www.rrab.com/bcontgt.htm
A Bentley – http://www.bentleymotors.com/default.aspx
Foi um (injusto) flop nos USA e na Inglaterra. Contudo, o filme tem recebido uma (re)avaliação, daí que um futuro culto seja bem possível.
Site – http://www.doomsdayiscoming.com/
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CENTURION – CENTURIÃO
Acção e aventura, na época dos Romanos.
Uma legião romana é praticamente dizimada por um grupo rebelde. Os poucos sobreviventes tentam chegar a ambiente amigável. Mas a natureza hostil do terreno e a perseguição implacável dos seus perseguidores não lhes dão tréguas. A solução passa por uma confrontação tão selvagem como o inimigo.
Marshall volta a sair-se bem. “Centurion” é um imparável e implacável entretenimento, que faz bom uso da paisagem e não dá concessões no campo da brutalidade, apoiado em boas sequências de acção. No fundo, Marshall faz um competente survival movie, que homenageia os tempos áureos do género, nos 70`s, ainda que passado no tempo dos romanos.
Michael Fassbender confirma as qualidades que lhe reconhecemos e até se sai bem como action hero. Olga Kurylenko mete medo no espectador. Imagen Poots é um anjinho que derrete o coração do espectador.
O filme foca a lenda da 9ª Legião, que, supostamente, se terá perdido em terras da Escócia. Tal tema já tinha sido focado no também entretido (mas mais soft) “The Eagle”. Descobertas recentes indicam que a dita Legião se terá movido para a Alemanha.
Filmado nas terras altas da Escócia em condições tão duras como as vistas no filme. Não houve recurso ao green screen.
Foram usados mais de 200 litros de sangue falso.
Neil Marshall influenciou-se pelo filme “The Warriors”, magnífico urban-noir de Walter Hill, uma das suas obras-primas.
Site – http://www.centurionmovie.com/
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Marshall tem andado pela televisão.
Assinou um episódio da popular, prestigiada e excelente série “Game of Thrones” (o episódio envolvia uma tremenda batalha e os produtores gostaram do que viram em “Centurion”).
Está em filmagens do pilot de “Black Sails” (só estreia em 2014), que aborda as aventuras de John Silver, Capitão Flint e dos seus piratas, 20 anos antes dos eventos (por eles originados) em “Treasure Island” (o perfeito e eterno romance, evocativo de todos os sonhos infantis de grandes aventuras, de Robert Louis Stevenson). A série conta com a produção executiva de Michael Bay (a saga “Transformers”).
Mas Marshall não esquece o cinema.
Ele já anda em pré-produção do seu novo filme, ainda sem data de estreia. Chama-se “The Last Voyage of Demeter” e marca o regresso de Marshall ao terror. O filme vai ilustrar a viagem do barco DEMETER, aquele onde Drácula viajou da Transilvânia até Inglaterra, mostrando também os eventos que lá se deram. Hmm, promissor.
Neil Marshall- um realizador muito recomendável.
(para fãs do género, claro)
Alex Aranda