Philip Marlowe é um dos maiores Private Detectives de sempre.
Raymond Chandler fez dele uma feliz criação literária, assegurou o seu nome entre os grandes escritores do Harboiled Noir, criou um conjunto de obras essênciais no género (“The Big Sleep”, “The Lady in the Lake”, “Farewell, My Lovely”, “The Long Goodbye”) e deixou Marlowe entre os grandes detectives.
Cinema, Televisão, Teatro radiofónico e Comics não tardaram a interessar-se. E vieram grandes títulos (alguns deles a terem remake).
Marlowe viu-se a ser interpretado por vários, grandes, talentosos e populares actores – Dick Powell (o favorito de Chandler), Robert Montgomery (num corajoso exercício cinematográfico de câmara subjectiva), George Montgomery, James Garner, Elliott Gould (numa corajosa e arriscada modernização do personagem), Powers Boothe (numa muito agradável série televisiva), Robert Mitchum (interpretou-o em dois filmes – mas não relacionados) e Humphrey Bogart (o mais icónico, que até o interpretou ao lado da sua esposa Lauren Bacall).
Liam Neeson, grandioso actor, junta-se agora a essa distinta galeria e tenta dar algo de novo a Marlowe.
Bay City, 1939.
Philip Marlowe, detective privado, é contratado por Clare Cavendish, uma avultada e glamorosa herdeira.
O objectivo é para localizar o antigo amante dela.
Mas o caso revela-se bem complexo, mostrando o lado negro da classe alta da região.
Yoohoo.
Philip Marlowe regressa.
Agora mais velho, mais veterano, mais maduro e sempre culto (sabe citar Christopher Marlowe e James Joyce).
Tem uma secretária (algo que nunca aconteceu pela caneta de Chandler), já tem pouca paciência para rufias (despacha-os com generosas doses de porrada), já se dá melhor com a Polícia (tem sempre a ajuda do seu eterno fiel amigo Bernie Ohls – uma amizade que já vem de alguns títulos de Chandler) e não tem problemas em usar uma arma de fogo (pequena ou grande).
Os tempos e a idade não alteraram os seus princípios – está disponível para ser contratado mas não está à venda, continua íntegro e honesto.
E continua com o seu icónico Plymouth Deluxe Coupé de 1938.
Assim sendo, este “novo” Marlowe continua fiel a si (e a Chandler) e do agrado dos fãs.
Quanto ao filme…
É um simpático exercício de revivalismo e homenagem cinéfila a um género já (infelizmente) perdido no Cinema de hoje (até porque já quase não há argumentistas, realizadores e actores/actrizes para tal).
Intriga sinuosa, personagens dúbios, ambientes luxuosos, sórdidos e corruptos, visão negra da sociedade (principalmente a da high society californiana).
Tudo bem contadinho e ilustrado, sim.
Mas o exercício acaba por ser, ainda que competente, eficaz e profissional, algo rotineiro e sem grandes ambições.
Onde o filme se ressente mais, até porque se centra em Philip Marlowe, é na escrita.
Não o argumento em si, na sua totalidade (embora uma melhor definição dos personagens secundários ajudasse muito), mas nas lines de Marlowe.
Quem leu Chandler, sabe como ele era bem incisivo na insolência que dava a Marlowe nas suas réplicas (fossem a mulheres, clientes, polícias ou vilões).
Ora, nada disso temos aqui. Infelizmente.
Este Marlowe é mais calmo nessa matéria, mas educado e civilizado.
(sinal da idade? ou da falta de conhecimento dos argumentistas face à escrita de Chandler?)
Portanto, estamos (bem) longe dos grandes momentos do género e com Marlowe (mas isso é o sintoma da passagem do tempo e do fim dos glory days de um género – 30s para o Gangster Film, 40s para o Film/Detective Noir, 50`s para o Western, 30s, 40s e 50s para o Swashbuckler, 50s e 60s para a Sci-Fi, 50s e 60s para o Melodrama, 60`s para o Western Spaghetti, 70s para o Policial, 80s para o Actioner).
Excelente fotografia, bem luminosa e quente, a enfatizar bem os ambientes.
Bonita paisagem, bem usada, a mostrar luxo, calor e presença marítima.
Neil Jordan é um realizador clássico e versátil.
Regressa a ambientes de noir/thriller (onde fez belas incursões em “Angel”, “Mona Lisa”, “The Crying Game”, “The Good Thief”, “The Brave One”), com estilo e eficácia.
Bons nomes no elenco, a cumprirem bem.
Jessica Lange e Diane Kruger ficam bem naquelas vestes e fotografia. Entregam convicção, mas faltou-lhes mais espessura nas suas personagens.
Liam Neeson faz um Philip Marlowe diferente, aqui e ali com sintonia com os moldes definidos por Raymond Chandler. É o regresso de Neeson em muito boa forma, num registo mais humano, maduro, emocional e não menos heróico (embora sem a tendência action hero que o tem marcado desde o emblemático “Taken”).
Mas consegue ser um Philip Marlowe relevante face aos que o antecederam? Sim a uns, não a outros, pouco face ao personagem.
Neeson é (bem) melhor actor que Robert Montgomery, George Montgomery, James Caan e Elliott Gould. Como tal, não é difícil (nem dá muito trabalho) superá-los. Até porque quase todos os referidos (com excepção a R. Montgomery e Gould que participam em dois filmes que assentam em dois grandes méritos – “The Lady in the Lake” com o constante uso de câmara subjectiva mostrando sempre o ponto de vista de Marlowe, e “The Long Gooodbye” pelo magnífico argumento, respectivamente) participam em títulos menores, ainda que eficazes e entretidos (G. Montgomery em “The Brasher Doubloon” e Caan em “Poodle Springs”).
Neeson é melhor (como actor) que Dick Powell (“Murder, My Sweet”) e James Garner (“Marlowe”) e bate-se com Robert Mitchum (“Farewell, My Lovely”) e Humphrey Bogart (“The Big Sleep”). Mas não os consegue igualar, até porque a qualidade dos filmes mencionados é muito superior (“Farewell, My Lovely” também é um belo exercício cinéfilo, mas mais sentido e eficaz; “Marlowe” é muito correcto na modernização 60s de Marlowe; “Murder, My Sweet” é uma pérola; “The Big Sleep” é O Film Noir no campo do Detective Noir) e Neeson não consegue um Marlowe tão personalizado como o que os actores mencionados conseguiram.
Mas é uma interpretação muito certinha de Neeson, sabendo manter muito do perfil de Marlowe, adequando-se muito bem à “celebração” do seu filme #100.
“Marlowe” é um agradável momento de homenagem ao Detective Noir, mas sem ambição.
Não se consegue o poder narrativo e evocativo de “Chinatown” (1974; bom, esqueçamos que temos Jack Nicholson a fazer de private eye, num perfeito exercício de miscast), a profunda e sentida nostalgia de “Farewell, My Lovely” (1975) e o poder revivalista de “L.A. Confidential” (1997).
Mas cumpre o dever de entretenimento e cinefilia.
E é sempre bom vermos o regresso de um dos maiores Private Detectives de sempre – Philip Marlowe.
“Marlowe” continua (infeliz, injustificada e estupidamente) sem data de estreia para as salas portuguesas. Já se move em streaming noutros países.
Realizador: Neil Jordan
Argumentistas: William Monahan, Neil Jordan, a partir do romance de John Banville (“The Black-Eyed Blonde”, escrito com o pseudónimo de Benjamin Black), inspirado no personagem criado por Raymond Chandler
Elenco: Liam Neeson, Diane Kruger, Ian Hart, Jessica Lange, Patrick Muldoon, Daniela Melchior, Danny Huston, Alan Cumming, Colm Meaney
Trailer
Site – https://www.openroadfilms.com/movies/marlowe
Bilheteira – 4.3 milhões de Dólares (USA); 5.3 (mundial)
Nomeado para “Melhor Actor” (Liam Neeson) e “Melhores Efeitos Visuais”, nos Irish Film and Television 2023.
Philip Marlowe foi criado em 1934 por Raymond Chandler.
Segundo Chandler, Marlowe tinha entre 36 a 40 anos de idade, ao longo dos vários livros que escreveu.
O argumento não se baseia num romance de Raymond Chandler, mas num de John Banville (“The Black-Eyed Blonde”), escrito com o pseudónimo de Benjamin Black. O livro foi editado em 2014. Foi muito elogiado e recebeu um Booker Prize.
É o 11º filme com Philip Marlowe.
É o filme #100 de Liam Neeson.
Liam Neeson volta a interpretar um detective privado, depois de “Under Supicion” (1991) e “A Walk Among The Tombstones” (2014, também derivado de uma saga literária). Neste último filme, o nome de Philip Marlowe é mencionado várias vezes pelo miúdo que ajuda o protagonista.
Danny Huston é filho de John Huston, John assinou em 1941, “The Maltese Falcon”, que é considerado como o primeiro Film Noir e deriva de um romance do fundador do denominado Hardboiled Noir e “rival” de Raymond Chandler, Dashiell Hammett.
Reencontro entre Liam Neeson e Jessica Lange, depois e “Rob Roy” (1995).
Reencontro entre Liam Neeson e Diane Kruger, depois de “Unknown” (2011).
Reencontro entre Liam Neeson e Neil Jordan, depois de “High Spirits” (1988) “Michael Collins” (1996) e “Breakfast on Pluto” (2005).
Neeson e Jordan já estão a trabalhar juntos novamente – “The Riker’s Ghost”, com estreia prevista para 2024.
Co-produção entre diversos países (a lista de produtores é longa), com direito a filmagens em Los Angeles, Barcelona e Dublin.
Os Pacific Studios são uma emulação da RKO. Alguns posters de filmes da RKO surgem, mas com diferentes nomes nos actores.
Num momento, pode-se ver o poster de um certo filme intitulado “The Black Eyed Blonde” – é no escritório de Clare.
Liam Neeson considera Philip Marlowe um solitário por procurar valores que já não existem na sociedade, sendo um homem endurecido pela vida, onde nada o choca no que diz respeito à natureza humana.
Sobre os outros filmes com Philip Marlowe e os actores que o interpretaram:
https://movieweb.com/best-movies-with-private-detective-philip-marlowe/#the-long-goodbye-1973
https://screenrant.com/philip-marlowe-every-actor-role/#liam-neeson-quot-marlowe-quot-2023
https://www.pastemagazine.com/movies/every-philip-marlowe-ranked
https://collider.com/every-philip-marlowe-movie-ranked-rotten-tomatoes/#39-lady-in-the-lake-39-1946
Sobre John Banville/Benjamin Black
https://www.britannica.com/biography/John-Banville
https://www.goodreads.com/author/show/91.John_Banville
https://www.fantasticfiction.com/b/john-banville/
https://www.fantasticfiction.com/b/benjamin-black/
https://www.goodreads.com/author/show/116405.Benjamin_Black
Sobre Raymond Chandler:
https://www.britannica.com/biography/Raymond-Chandler
https://www.biography.com/people/raymond-chandler-9244073
https://www.esquire.com/uk/culture/news/a6742/raymond-chandler-quotes/
https://www.brainpickings.org/2013/05/08/raymond-chandler-on-writing/
https://www.livrosdobrasil.pt/autor/raymond-chandler
http://www.detnovel.com/chandler.html
https://www.goodreads.com/author/show/1377.Raymond_Chandler
http://www.thrillingdetective.com/trivia/chandler.html