Henri-Georges Clouzot assina um polar diferente e original.
Perante algumas pistas na investigação de um par de estranhos assassinatos, o Inspector Wens muda-se para uma casa de hóspedes, no sentido de encontrar o assassino.
Mas a sua ciosa amada também entra em campo.
Ao mistério criminal (há assassinatos, há um assassino misterioso e refinado, há uma investigação sui generis) alia-se um olhar sobre um quotidiano social local (os habitantes de uma pensão).
Isto permite a entrada em cena de diversos personagens pitorescos, com cada um a trazer cor, drama, humor e emoção, ilustrando-se um pouco de uma certa vivência de um banlieue de Paris, no pós-guerra.
Pelo meio há muito humor (a forma como o agente da Polícia se infiltra na pensão, a entrada em cena da esposa, as conversas, a resolução final).
Mas o filme nunca perde o rumo de polar e assegura sempre a devida expectativa (quem é o assassino, como vai ser descoberto).
A solução final pode parecer algo ingénua pelo seu elevado nível de humor (bem refinado), mas não deixa de ser graciosa, revelando assim o tom circense e paródico dos eventos.
Excelente performance do elenco, com destaque para um esplêndido Pierre Fresnay (os seus momentos com a esposa, a sua entrada na pensão, o confronto final com o assassino).
Henri-Georges Clouzot tanto sabe levar-nos ao interior daquela pensão e a conviver com aquelas pessoas, como sabe criar a devida tensão (os ataques do assassino).
O filme é feito em pleno auge da Segunda Guerra Mundial, com uma França já invadida pelos nazis.
Sabe-se que Clouzot conseguiu continuar a trabalhar no país (e com alguma liberdade) e com o apoio alemão (o que o levou a ser visto como simpatizante/colaboracionista nazi, depois da guerra).
Em momento nenhum o filme faz alusões ao nazismo ou à submissão da França à Alemanha.
O filme é “apenas” o que é – uma fantasia policial, passada numa Paris que já existiu, que poderia existir, que iria existir, que deveria existir.
Pode-se ver aqui alguma antecipação ao que Jean-Pierre Jeunet faria com os seus “Delicatessen”, “Le Fabuleux Destin d`Amélie Poulain”, “Un Longue Dimanche à Fiançailles” e “Les Micmacs” – também com recurso a um cinema surreal e fantasista, a criação de uma Paris que não existe (na realidade), mas que poderia/poderá existir.
Olhando-se para algum do nosso cinema daquela época e para o nosso teatro popular ou de revista, pode-se olhar para o filme de Clouzot e vê-lo como influente – a palette humana na casa de hóspedes, a dinâmica dos diálogos, o tom pitoresco dos personagens, o recurso ao humor, os momentos musicais.
Um polar pleno de mistério e humor, com algo de fantasista e um romântico olhar humano e social (aqui e ali, com restos do “realismo poético” que marcou o Cinema Francês da Segunda Guerra Mundial), sendo um dos melhores filmes de Clouzot.
“L`Assassin habite au 21” não tem edição portuguesa.
Existe noutros mercados a bom preço.
Realizador: Henri-Georges Clouzot
Argumentista: Henri-Georges Clouzot, Stanislas-André Steeman, a partir do romance de Stanislas-André Steeman
Elenco: Pierre Fresnay, Suzy Delair, Jean Tissier, Pierre Larquey, Noël Roquevert, René Génin, Jean Despeaux, Marc Natol, Huguette Vivier, Odette Talazac, Maximilienne, Sylvette Saugé, Louis Florencie, André Gabriello, Raymond Bussières
Trailers
O romance de Stanislas-André Steeman foi editado em 1939.
O autor escreveu o livro em casa, cuja porta tinha o número… 21.
Henri-Georges Clouzot decidiu fazer umas alterações, sendo a principal na localização – de Londres vamos para Paris.
Clouzot já tinha adaptado Steeman ao Cinema (“Le Dernier des Six”, realizado por Georges Lacombe em 1941; nele surgem também os personagens do inspector Wens e da sua amie Mila Malou) e voltaria a adaptá-lo (“Quai des Orfèvres”, que realizaria em 1947).
É o primeiro filme de Henri-Georges Clouzot.
O filme é feito na Segunda Guerra Mundial, em plena ocupação alemã na França. Apesar da ocupação, a produção cinematográfica francesa ia em bom rumo. No ano de 1942 fizeram-se 78 filmes.
Foi totalmente filmado em estúdio.
Pierre Fresnay e Suzy Delair eram um casal na vida real.
Suzy Delair seria depois a companheira sentimental de Clouzot, tendo participado em alguns dos seus filmes.
Suzy Delair canta a canção “Je sais bien que tu mens”.
Quentin Tarantino é grande fã do filme e homenageou-o em “Inglourious Basterds” – na sala de cinema de Shosanna está um poster de “L’Assassin habite au 21”.
A casa mencionada não existia/existe em Paris.
Sobre Stanislas-André Steeman
https://www.brusselsremembers.com/memorials/stanislas-andre-steeman
https://focusonbelgium.be/en/Do%20you%20know%20these%20Belgians/Stanislas-Andre-Steeman
https://www.goodreads.com/author/show/854769.Stanislas_Andr_Steeman
https://www.goodreads.com/author/list/854769.Stanislas_Andr_Steeman
https://booknode.com/auteur/stanislas-andre-steeman
http://at-scene-of-crime.blogspot.com/p/stanislas-andre-steeman.html