Título original – Strange Days
Foi um dos grandes filmes desse ano.
Era um título muito aguardado – envolvia James Cameron (vindo de “Terminator 2” e “True Lies”) e Kathryn Bigelow (vinda de “Point Break”, que também envolveu Cameron).
Foi um enorme flop na estreia. Tornou-se um enorme cult movie desde então.
(Strange days, de facto!!!)
L.A, último dia de 1999.
Lenny, um ex-polícia, trafica memórias de outros através de um dispositivo viciante e vive agarrado às memórias da relação passada com Faith.
Mace é segurança, é grande amiga de Lenny, leva uma vida limpa e segue em frente.
Ambos são envolvidos numa conspiração de silêncio à volta da morte de um artista famoso e controverso.
Pegando em elementos do Film Noir (a noite urbana, os negócios underground, personagens dúbios, duros e marcados pelo passado), o filme investe num forte tom de Tech Noir (que se pode ver como combinação dos elementos do film noir com o dark side da Tecnologia – não é por acaso que anda por aqui James Cameron, que já tinha feito esse monumento do género que é “The Terminator”).
Estamos em tempos de uma tecnologia fascinante e aberta a diversas possibilidades (é-nos permitido ver e sentir as memórias dos outros), mas o filme é uma ilustração de um tempo (e sociedade) vazio do ponto de vista humano, social e emocional, onde a Tecnologia é apenas um meio de saciar o voyeurismo das pessoas, ou onde as pessoas apenas têm isso como fonte de prazer e necessitam (desesperadamente) da Tecnologia para tal.
O filme acaba por ser (bastante) profético face ao actual estado dos media, imprensa, reality shows (três anos depois viria outro filme profético sobre tal – “The Truman Show”, de Peter Weir, com Jim Carrey) e redes sociais.
Em paralelo, o filme é também uma alegoria (bem subtil e pertinente) sobre o caso Rodney King (e hoje em dia, face a muitos “Rodney King” dos USA e do mundo), conseguindo ser um “panfleto” sobre a tolerância social e o entendimento racial.
“Strange Days” é, de facto, um “documentário” sobre certos dias estranhos que se viveu (e ainda se vive), de um certo caos (ainda) existente, mas remete para uma certa esperança de harmonia e necessidade de paz dentro da Humanidade.
É, assim, um filme optimista dentro do caos.
Mas apesar de todas estas reflexões e “mensagens”, o filme nunca perde o lado do entretenimento e capacidade actioner e spectacular.
O trabalho de fotografia é assombroso (é de Matthew F. Leonetti – “Commando”, “Extreme Prejudice”, “Johnny Handsome”, “Dragnet”).
Por um lado, pela qualidade da imagem da mesma (os neons, a luminosidade, os detalhes), por outro pela dinâmica interactiva da câmara nos momentos em que mostra a visão das memórias.
Excelente, poderosa e vigorosa banda sonora (do quase sempre muito capaz Graeme Revell – “The Crow”, “Street Kings”).
James Cameron (que “apenas” participa como produtor e argumentista – ele ia realizar, mas Schwarzenegger chamou-o para “True Lies”) volta a abordar o duelo do Homem com a Tecnologia. E assina aqui, em conjunto com “The Terminator” e “Terminator 2”, um dos seus melhores, mais complexos e mais poderosos argumentos.
Kathryn Bigelow (na época, ex-companheira de Cameron, mas mantinha uma excelente parceria profissional) confirma a sua destreza para o actioner viril e masculino (mas sempre com presença de mulheres fortes), combinando elementos de Thriller Hi-Tech, Sci-Fi e Film Noir, fazendo um uso da câmara subjectiva bem impressive (atenção à cena inicial).
Há um vistoso elenco em campo, todos os seus elementos estão impecáveis, mas há que destacar uns esplêndidos e intensos Ralph Fiennes e Angela Bassett.
Foi um (injusto) (mega) flop na época.
É, desde então, um (justo) (mega) culto.
É um fantástico, absorvente, viciante e hipnótico sci-fi hi-tech thriller noir, que é urgente (re)descobrir e (re)valorizar.
Absolutamente obrigatório.
“Strange Days” é o “´Blade Runner` dos 90s”.
“Strange Days” tem edição portuguesa, a bom preço.
Realizadora: Kathryn Bigelow
Argumentistas: James Cameron, Jay Cocks
Elenco: Ralph Fiennes, Angela Bassett, Juliette Lewis, Tom Sizemore, Michael Wincott, Vincent D’Onofrio, Glenn Plummer, Brigitte Bako, Richard Edson, William Fichtner, Josef Sommer, Todd Graff
Trailers
Clips
Making of
Orçamento – 42 milhões de Dólares
Bilheteira – 8 milhões de Dólares
“Melhor Realização”, “Melhor Actriz” (Angela Bassett), nos Saturn 1996. Esteve nomeado para “Melhor Filme – Sci-Fi” (perdeu para “Twelve Monkeys”), “Melhor Actor” (Ralph Fiennes perdeu para George Clooney em “From Dusk Till Dawn”) e “Melhor Argumento” (perdeu para “Se7en”).
James Cameron começou a desenvolver a história em 1986.
Cameron deixou o projecto na gaveta para se dedicar a outros.
Quando casou com Kathryn Bigelow e a ajudou em “Point Break” (1991; Cameron descobriu o argumento perdido na 20th Century Fox, fez alterações e produziu o filme), o retomar do projecto surgiu.
Bigelow recebeu o argumento e gostou. Ambos desenvolveram mais ideias e chamaram Jay Cocks para fazer o argumento definitivo.
Cameron e Bigelow inspiraram-se nos eventos de Lorena Bobbitt, o caso Rodney King e os tumultos recentes em Los Angeles.
Ao que se diz, Cocks foi o principal responsável pelos diálogos.
Arnold Schwarzenegger, Denzel Washington, Michael Keaton, Tom Cruise, Jeff Bridges, Mel Gibson, Bruce Willis, Andy Garcia, Nicolas Cage, Patrick Swayze, John Travolta, Sean Penn, Bill Paxton, Dennis Quaid e Kurt Russell foram considerados para Lenny Nero.
Andy Garcia era um forte candidato a ser o protagonista.
Bigelow ponderou John Travolta para Lenny Nero, depois de o ver em “Pulp Fiction” (1994).
Ralph Fiennes impressiona Bigelow pelo seu trabalho em “Schindler’s List” (1993, pelo qual foi nomeado para “Melhor Actor Secundário”).
Angela Bassett foi sugerida por Cameron.
Falou-se que Bono iria ser Philo Gant (que caberia a Michael Wincott).
Reencontro entre Juliette Lewis e Tom Sizemore, depois de “Natural Born Killers” (1994).
Tom Sizemore e William Fichtner iam voltar a contracenar em “Heat” (1995) e “Black Hawk Down” (2002).
Michael Kamen (“Lethal Weapon”, “Die Hard”) foi o primeiro compositor chamado para fazer a música.
Graeme Revell vinha de “The Crow” (1994) e estava aclamado. Revell criou todo o score do filme.
P.J. Harvey foi escolhida, pois Bigelow é grande fã da cantora.
Os Skunk Anansie aparecem no filme, na cena da festa de fim de ano.
Os Deep Forest foram chamados para fazer a música.
Peter Gabriel entrou em cena para ajudar os Deep Forest na criação de um tema (o que encerra o filme).
Para as cenas que envolvem as memórias foram criadas câmaras especiais e muito planeamento técnico.
A Lightstorm Entertainment era a companhia produtora de James Cameron. Foi ela que desenvolveu as câmaras necessárias para as cenas vistas no SQUID.
As câmaras eram leves, cabiam numa mão, permitiam troca de lentes, focagem remota e video assist.
Filmado em L.A. ao longo de 77 noites.
O produtor Steven-Charles Jaffe (que já tinha trabalhado com Kathryn Bigelow em “Near Dark”) ficou impressionado pela capacidade de preparação da realizadora.
As filmagens de dois dias em Sunset Boulevard obrigaram a cortar o trãnsito.
Para a cena da festa de fim de ano, foram convidadas 10.000 pessoas (a quem se pagou 10 Dólares por pessoa), foram necessários 50 polícias (fora de serviço). A afluência de público foi tal, que todos os hotéis da zona ficaram esgotados.
Tudo ocorreu num Sábado, a começar às 21.00 Hrs. e tudo a terminar na madrugada para Domingo, às 04.00.
Várias pessoas foram hospitalizadas devido ao consumo de ecstasy.
Matthew F. Leonetti (o director of photography) considera que 50 a 60% do filme foi filmado em Steadicam.
O título deriva da canção dos The Doors com o mesmo título.
A cena inicial exigiu dois anos de preparação.
As cenas vistas na SQUID foram filmadas com câmaras especiais. Foi necessário um ano para criação dessas câmaras.
Juliette Lewis canta no filme. A canção foi escrita por P.J. Harvey.
Numa cena, Faith diz a Lenny “Dry me“. É uma referência a “Blade Runner” (quando Zhora pede o mesmo a Deckard).
O carro de Lenny Nero é um Mercedes-Benz S500, alterado pelo construtor.
O personagem do líder da LAPD inspira-se em Daryl Gates (ex-líder da LAPD), que ganhou fama pela forma como lidou com o caso Rodney King.
Num momento, Mace diz a Lenny “This is your life, right here, right now“. Fatboy Slim usaria tal line na canção “Right Here, Right Now”.
O filme passa-se entre 29 de Dezembro de 1999 e o início de Janeiro de 2000.
James Cameron efectuou boa parte da montagem do final do filme. Como ele não fazia parte do Editor`s Guild, o seu nome não é mencionado na área da montagem. Algum tempo depois, Cameron faria parte do grupo e o seu nome já receberia crédito por tal em “Titanic” (1997, o que permitiu que Cameron levasse 3 Oscars numa só noite – por Filme, Realização e Montagem).
Na época, o filme dividiu a crítica.
Houve quem considerasse o filme como voyeurista e estranharam que fosse realizado por uma mulher.
Houve quem considerasse como o melhor uso de câmara subjectiva desde “Lady in the Lake” (1947).
Houve quem considerasse como o melhor o melhor filme de Sci-Fi desde “Blade Runner” (1982).
Acredita-se que o flop se deve à má estratégia do estúdio (promoção e época de estreia).
O flop do filme praticamente que apagou a carreira de Kathryn Bigelow. Ela vinha dos cult movies que eram “Near Dark” (1986) e “Blue Steel” (1988), e estava a caminho de se inserir nas Majors com o sucesso de “Point Break” (1991, também com produção e argumento de Cameron). Bigelow ficou sem trabalho durante 5 anos. Só regressaria em 2000, com “The Weight of Water” (um dos seus trabalhos mais estranhos).
Kathry Bigelow sempre considerou o seu filme como um manifesto anti-violência, ant-racismo e pró harmonia na sociedade, considerando-o também como o seu filme mais pessoal.
O filme foi exibido na BBC Two na noite de 29 de Dezembro de 1999 – é a noite onde começa o filme.
É um dos “1001 Movies You Must See Before You Die”, de Steven Schneider.
A passagem do tempo tem dada (imensa) valorização ao filme, tendo ganho um enorme estatudo de cult movie.
Kathryn Bigelow e James Cameron sobre “Strange Days”
https://cinephiliabeyond.org/strange-days-kathryn-bigelows-thrilling-sci-fi-doesnt-feel-strange/