Título original – The Duellists
É o primeiro filme de Ridley Scott.
É o mais desconhecido, o menos visto.
E é uma maravilha visual.
França, 1801.
Dois oficiais dos Hussardos entram numa disputa violenta, que os levará a 16 anos de duelos.
Para um, o motivo é incompreensível. Para o outro, é uma obsessão.
Abordagem à conduta militar, aos códigos de éticas dos duelos entre gentlemen (aqui militares), que o argumento estabelece como uma obsessão (para um dos duellists) e como uma maldição (para o outro duellist).
O filme não procura explicações nem análises, limitando-se a ser uma “reportagem” sobre tamanha perseguição e duelo que chega a atingir o vazio (ninguém consegue explicar o porquê do confronto, nenhuma das partes parece encontrar closure por cada novo duelo).
Paralelo ao duelo físico, há um duelo de mentalidades (um quer esquecer o confronto e apertar mãos, o outro só pára quando houver um derrotado) e social (um é nobre o outro vem do povo).
Bela música, bem adequada aos eventos e ambientes.
Fabulosa fotografia, que dá um tom quase de pintura a todos os planos, evocando “Barry Lyndon” (cuja comparação não é absurda).
Excelente paisagem (natural e “urbana”), magnificamente filmada e aproveitada (o bosque e a ruína, no duelo final).
Argumento de um notável minimalismo (é “apenas” uma sucessão de episódios ao longo dos 16 anos), indo directo aos eventos relevantes, com a entrada e saída dos devidos personagens secundários.
Os duelos estão impecavelmente encenados e coreografados (atenção ao tido num espaço interior, onde parece tudo valer e não haver regras).
Generosa participação de bons nomes, em simpáticos cameos.
Keith Carradine (bem determinado, mas sempre pasmado com o desenrolar dos eventos, em constante busca de sossego) e Harvey Keitel (sempre obsessivo, explosivo, louco, violento) dão-nos duas das mais perfeitas interpretações das suas longas carreiras, oferecendo forte entrega física e emocional.
Ridley Scott vinha da publicidade (com um curriculum vasto, premiado e muito elogiado) e estreia-se em longas-metragens.
Ei-lo já a mostrar o seu perfeccionismo visual (o plano do duelo pela manhã, a cavalgada, os momentos na neve), fazendo do filme quase uma pintura (exteriores com algo de Renoir, os interiores com algo de Rembrandt).
Atenção ao plano final – tanto pela beleza como pelo simbolismo, fazendo assim o comentário/balanço definitivo a tudo o que aconteceu.
Um brilhante e belíssimo filme.
Um auspicioso começo de carreira de um cineasta marcante do Cinema do final do Século XX.
Um clássico total.
Um tremendo cult movie que merece (re)descoberta.
“The Duellists” não tem edição portuguesa. Existe noutros mercados a bom preço.
Realizador: Ridley Scott
Argumentista: Gerald Vaughan-Hughes, a partir do conto de Joseph Conrad (“The Duel”)
Elenco: Keith Carradine, Harvey Keitel, Albert Finney, Edward Fox, Cristina Raines, Robert Stephens, Tom Conti , John McEnery, Diana Quick, Alun Armstrong
Trailer
Clips
Sobre as filmagens
Orçamento – 900.000 Dólares
Nomeado para “Melhor Fotografia”, nos BAFTA 1979. Perdeu para “Julia” (com fotografia de Douglas Slocombe).
Nomeado para “Melhor Fotografia”, British Society of Cinematographers 1978. Perdeu para “Julia”.
Nomeado para “Palme d’Or”, em Cannes 1977. Perdeu para “Padre Padrone” (dos irmãos Paolo & Vittorio Taviani). Mas Ridley Scott recebeu o prémio para “Melhor Primeiro Trabalho”.
“Melhor Realizador Estrangeiro”, nos David di Donatello 1978.
O conto de Joseph Conrad é inspirado numa história verídica. Era sobre o confronto entre dois oficiais dos Hussardos, Dupont e Fournier, na era de Napoleão Bonaparte. Tudo porque, supostamente, o segundo recebeu/interpretou mal um “recado” do primeiro. O confronto só parou décadas depois do seu começo, num duelo com pistolas, em que o oficial mais pacifista (Dupont) derrotou o mais belicista (Fournier, um militar ávido de conflitos e confrontos). Isto permitiu, pelas regras de conduta neste tipo de duelos, a consagração de um vencedor. Fournier morreria com pouco mais de 50 anos, Dupont morreria depois dos 70.
Dupont e Fournier confrontaram-se ao longo de 19 anos e travaram 30 duelos. Tudo começou em 1794. Eram quase sempre de espada, pois Dupont era relutante a pistolas sabendo que Fournier era um bom atirador. Ambos eram muito cordiais entre si (por oposição aos seus equivalentes cinematográficos), chegando mesmo a conviver juntos. Tal como no filme, o duelo final é com pistolas e num bosque. Dupont enganou Fournier ao criar dois bonecos. Quando ambos estavam face-a-face, Fournier não tinha balas e Dupont tinha as suas duas armas carregadas. O conflito ficou resolvido ali.
Fournier tinha a alcunha de “El Demonio”, dada pelos espanhóis. Chegou a derrotar três unidades de infantaria com uma só carga de cavalaria.
Ridley Scott tinha em mente um argumento de Gerald Vaughan-Hughes sobre Guy Fawkes e a sua “Gunpowder Plot” de 1605 (Fawkes era um revolucionário inglês que chegou a planear explodir o parlamento inglês – Fawkes e o seu plano inspiraram a graphic novel “V for Vendetta” de Alan Moore e David Lloyd, bem como o look da máscara do herói revolucionário protagonista; tal obra seria levada ao Cinema pelos Irmãos Wachowski, com Natalie Portman). Mas não conseguiu o devido financiamento.
Scott e Vaughan-Hughes viraram-se para o conto de Joseph Conrad, “The Duel”, escrito em 1907. Vaughan-Hughes criou cenas novas e novos personagens.
Os direitos do conto de Conrad estavam em domínio público, o que permitiu a Scott não ter grandes despesas nos direitos cinematográficos.
O conto de Joseph Conrad teve o titulo “Point of Honor”, nos USA.
Os protagonistas no filme têm os nomes de D’Hubert e Feraud.
Produção de David Puttnam. Puttnam foi um produtor que muito mudou o cinema europeu, numa forte aposta em realizadores vindos da publicidade, procurando assim uma melhoria visual no cinema de então. Puttnam revelou Ridley Scott, Hugh Hudson, Adrian Lyne e Alan Parker.
Scott queria Michael York e Oliver Reed como protagonistas (e já com experiência em esgrima – tinham participado em “The Three Musketeers” e “The Four Musketeers”, em 1973 e 1974, sendo d`Artagnan e Athos, respectivamente), mas não estavam disponíveis.
Scott escolheu Keith Carradine e Harvey Keitel, mas teve de os convencer. O facto das filmagens decorrerem em França e provar-se comida francesa foi um factor decisivo.
Keitel participou porque estava livre de participar em “Apocalypse Now” (1979; “por acaso” também vindo de um romance de Joseph Conrad).
Scott vinha de uma actividade como realizador de spots publicitários (quase 2000), muitos deles elogiados e premiados. Há muito que tentava a sua estreia em longas-metragens.
Scott reconhece que foi muito influenciado por Stanley Kubrick e o seu (belíssimo) “Barry Lyndon” (1975).
Ridley é o operador de câmara.
Por causa do baixo orçamento, a produção não criou sets nem guarda-roupa. A roupa era alugada e os locais eram reais (interiores e exteriores).
Filmado em:
- França – em Sarlat-la-Canéda, Dordogne (quase todos os interiores e exteriores), Château de Commarque (o duelo final).
- Escócia – Cairngorms, Aviemore (as cenas na Rússia).
Stacy Keach é o narrador.
O argumento é muito rigoroso sobre a conduta dos oficiais do exército francês da era de Napoleão.
Os Hussardos eram a elite da Cavalaria. As suas fardas eram faustosas, o que agradava muito às senhoras.
Quando a crew prepara as filmagens em Sarlat-la-Canéda, Dordogne, num dos chateaux locais, descobre um quadro referente e François Fournier-Sarlovèze. É este o oficial dos Hussardos correspondente ao personagem de Harvey Keitel no filme, Gabriel Feraud.
A carroça que se vê num par de cenas, é sempre a mesma, mas pintada de forma diferente em todos os seus lados, para criar a ideia que eram carroças diferentes.
No duelo de espadas, no interior, quando se vê uma faúlha vinda do passar uma espada pela parede, deve-se a um efeito especial que ligava a espada e a parede a baterias e cabos.
As pistolas usadas no duelo final eram de colecção, foram emprestadas à produção e cada uma valia 17.000 Libras. Scott assegurou que estaria um colchão a confortar a queda de uma delas, quando um dos personagens a deita fora.
Carradine e Keitel procuraram que os sotaques de cada um fosse reflexo da educação de cada personagem. A voz de Carradine é mais aristocrática, a de Keitel é mais de rua.
Carradine e Keitel quiseram usar espadas verdadeiras. Ambos tiveram de aprender esgrima.
Keith Carradine e Cristina Raines eram namorados na época. Foi Carradine que recomendou Raines a Scott. Carradine e Raines já tinham contracenado em “Nashville” (1975).
Na cena onde D’Hubert (Keith Carradine) pede Adèle (Cristina Raines) em casamento, ela não pára de se rir. Isto porque um dos cavalos (o por detrás de Carradine) estava com uma enorme… erecção. Raines não conseguia conter-se. Scott continuou a filmar.
Albert Finney (actor britânico) já com bom prestígio (tinha sido “Tom Jones” em 1960) recebeu como pagamento uma caixa de champagne. Finney faria um outro filme com Scott – “A Good Year” (2006).
Diana Quick era a namorada de Finney e foi recomendada por ele.
O filme teve uma excelente reacção da crítica.
A visibilidade do público foi muito curta. O filme não estreou em muitos países, onde estreou foi em poucas salas, com curta carreira.
O tempo deu-lhe um enorme estatuto de cult movie.
Gordon Williams escreveria uma novelização do filme, expandindo mais eventos e personagens. Foi publicado em 1977 pela Fontana Books (no Reino Unido) e em 1978 pela Pocket Books (nos USA).
Os Iron Maiden criaram uma canção com o título “The Duellists”, inspirada pelo filme.
Gregory Widen inspirou-se em “The Duellists” para escrever “Highlander” (1986).
Kevin Reynolds inspirou-se profundamente em “The Duellists” quando realizou “The Count of Monte Cristo” (2002). Reynolds é grande fã do filme e há uma excelente conversa entre ele e Scott sobre “The Duellists”. Esta conversa consta dos extras de muitas edições em DVD de “The Duellists”.
Eis a conversa:
Keith Carradine sobre “The Duellists”:
“The Duellists” está nos “Best 1000 Movies Ever” do The New York Times.
Sobre o filme
https://cinephiliabeyond.org/ridley-scotts-duellists-startling-debut-honour/
https://directorsseries.net/2017/12/22/ridley-scotts-the-duellists-1977/
Sobre Joseph Conrad:
http://www.josephconradsociety.org
https://www.britannica.com/biography/Joseph-Conrad
https://www.writersinspire.org/content/joseph-conrad
https://www.goodreads.com/author/show/3345.Joseph_Conrad