John Ford decide refazer “Red Dust” (1932, já aqui visto).
Clark Gable regressa. Juntam-se-lhe duas grandes beldades.
E o resultado é bem quente.
Quénia.
Victor Marswell é caçador e líder de safaris. O que poderia ser mais um safari, transforma-se num escaldante caso entre ele e duas mulheres que se deixam arrebatar por Victor e pela paisagem – Eloise Y. Kelly anda em fuga de si própria, Linda Nordley acompanha o marido, mas parece carente de afecto e paixão.
É sobre pessoas à caça/procura de animais, mas as presas são mesmo o desejo, a tensão e a libertação sexual.
Pegando-se no clássico esquema do triângulo amoroso (aqui, é um homem dividido entre duas mulheres de sensibilidade e sensualidades completamente opostas), o argumento aborda o calor da alma humana perante o desejo, o cansaço da solidão sentimental e as duvidas relacionais.
A forma de fazer tudo isto é puro entretenimento e de alto nível – há drama (o das donzelas em causa), comédia (as trocas de “galhardetes” enciumados entre as meninas, a forma como o cavalheiro gere alguns problemas criados pelas meninas), aventura (a descoberta de todo um território desconhecido) e acção (algumas peripécias vividas).
Elevado é o teor erótico dos eventos, dada a forma como o trio se relaciona e se manifesta.
No meio de tanto calor climatérico, corporal e erótico, o filme é sobre o aquecimento da alma dos três protagonistas – Victor redime-se por uma escusada morte animal, Linda redescobre o amor na desilusão/decepção da paixão, Eloise revaloriza a vida através da confissão.
Excelente fotografia (em glorioso Technicolor), a filmar magnificamente toda a paisagem africana e o calor dos corpos.
John Ford gere de forma magistral todos estes géneros, criando belíssimas imagens bem como uma tórrida atmosfera de erotismo.
O óptimo elenco ajuda, e de que maneira!!!
Clark Gable domina com a sua virilidade macho, mas sabendo entregar a devida sensibilidade.
Ava Gardner é um vulcão sentimental sempre em erupção.
Grace Kelly é uma selva de delicadeza, ávida de descoberta.
A química entre os três é ardente. O elenco secundário está ao nível do exigido.
É um dos mais eróticos filmes de sempre, resultando num must cinematográfico.
“Mogambo” é um remake de “Red Dust”. Não lhe faltam méritos (bem como ao original). Vamos ver como se mede face à versão anterior:
- O argumento é praticamente igual, mudando apenas o ambiente profissional (de uma plantação de borracha vamos para safaris) e geográfico (do Oriente vamos para África), criando (até porque tem mais quase 30 minutos) mais eventos, o que permite um melhor desenvolvimento dos personagens, relações e emoções.
- O original é a P&B, o remake é a cores. Tal reforça a beleza visual do remake, o que permite uma melhor visualização diurna da paisagem (vegetal e animal). O original tem muitos momentos em interiores e de noite, o remake tem mais expansão no espaço e mais momentos diurnos.
- Nos dois filmes, o trabalho do elenco é impecável, de forte química e sabendo caracterizar bem a tensão sexual.
- O poder erótico é imenso, nas duas versões. Talvez o original surpreenda mais, por causa da época em que é feita, sendo bem avant-garde.
É praticamente um empate (devido ao ardor erótico do trio protagonista de cada versão), mas “Mogambo” supera-se a “Red Dust” pela presença da cor (tão quente como o desejo dos personagens), pelas filmagens locais e por um argumento mais desenvolvido.
Mas acreditem que “Red Dust” é bem red no erotismo e merece (muito) a descoberta.
“Mogambo” não tem edição portuguesa. Existe noutros mercados, a bom preço.
Realizador: John Ford
Argumentistas: John Lee Mahin, a partir da peça teatral de Wilson Collison (“Red Dust”)
Elenco: Clark Gable, Ava Gardner, Grace Kelly, Donald Sinden, Philip Stainton, Eric Pohlmann, Laurence Naismith, Denis O’Dea
Trailer
Clips
Imagens dos bastidores
Orçamento – 3.1 milhões de Dólares
Bilheteira – 8.3 milhões de Dólares
Nomeações nos Oscars 1954 – Ava Gardner para “Melhor Actriz” (venceu Audrey Hepburn em “Roman Holiday”) e Grace Kelly para “Melhor Actriz Secundária” (venceu Donna Reed em “From Here to Eternity”).
Esteve nomeado para “Melhor Filme”, nos BAFTA 1954. Foi derrotado por “Jeux Interdits”.
Grace Kelly foi a “Melhor Actriz Secundária”, nos Globos de Ouro 1954.
Ava Gardner foi a “Melhor Actriz – Comédia”, nos Laurel 1954.
“Top 10”, pela National Board of Review 1953.
Remake de “Red Dust”
Em 1946, a MGM decide refazer “Red Dust”. Fala-se em Marilyn Maxwell como protagonista.
Em 1948, Marie McDonald é ponderada.
Em 1949, Maxwell e Gene Kelly são ponderados como protagonistas.
A MGM aposta no remake por causa da cor. Outros remakes do estúdio, também a cores, foram grandes sucessos (“King Solomon’s Mines” em 1950, “Quo Vadis” em 1951, “The Prisoner of Zenda” em 1952).
Stewart Granger ia ser o protagonista (tinha protagonizado dois remakes para a MGM – “King Solomon’s Mines” e “The Prisoner of Zenda”), mas a MGM preferiu Clark Gable.
Gable estava relutante em fazer um remake de “Red Dust”. Mas viu-se obrigado a tal, devido aos flops de “Across the Wide Missouri” (1951) e “Lone Star” (1952).
Era o terceiro filme de Gable a cores, depois de “Gone With The Wind” (1939) e “Across the Wide Missouri” (1951).
Deborah Kerr e Lana Turner foram ponderadas para serem as duas ladies do filme.
Shelley Winters e Patricia Neal são ponderadas.
Maureen O’Hara e Lauren Bacall foram consideradas para Eloise Y. Kelly. Ava Gardner foi escolhida.
Maureen O’Hara ia protagonizar, mas a MGM queria Ava Gardner. O`Hara e Ford já tinham bom curriculum juntos (fizeram vários filmes juntos, com John Wayne). Tal imposição pode explicar o comportamento do cineasta para com Gardner durante as filmagens.
Gardner estava relacionada com Frank Sinatra. Acredita-se que o cantor moveu influências na escolha da actriz.
Gene Tierney era a preferida para ser Linda. Desistiu do projecto devido a problemas pessoais. Grace Kelly foi então escolhida.
Reencontro entre Clark Gable e Ava Gardner, depois de “Lone Star”.
John Ford não tinha visto “Red Dust”, mas gostou do argumento e da ideia de filmar em África.
Em 1951 tudo fica definido – “Mogambo” é o título, vai ser filmado em África, John Ford é o realizador, Sam Zimbalist é o produtor (que também produziu “King Solomon’s Mines”) e tem como protagonista Clark Gable (protagonista de “Red Dust”).
Para assegurar que o elenco estava moreno, Ford pediu-lhes para apanharem sol antes das filmagens.
Filmado no Congo e no Quénia.
As filmagens em estúdio foram na Inglaterra, nos estúdios da MGM, em Borehamwood, Hertfordshire.
A MGM contratou segurança para cast & crew, devido ao perigo de um grupo terrorista na zona. Nada aconteceu.
O primeiro dia de filmagem estava sempre a ser “tapado” por um balão que aparecia no enquadramento de uma cena de amor entre Clark Gable e Ava Gardner.
Gable e Ford não se entenderam nas filmagens. Gable não gostava da forma como Ford tratava Gardner, o cineasta achava o actor já velho para o personagem.
Gable adoeceu nas filmagens. Frank Sinatra (na época, envolvido com Ava Gardner) apareceu no set e preparou vários jantares, de gastronomia italiana. Ford confessaria anos depois que só permitiu a presença de Sinatra no set por causa dos jantares que ele preparava.
Ao fim de cada dia, Gardner tomava banho, assistida por um rapaz local. Representantes do governo britânico pediram à actriz para não se despir perante os indígenas locais. Ava riu-se de tal e “desfilou” nua pelo campo.
Gardner estava grávida durante as filmagens e passou mal devido ao calor. Teve de ser internada e teve um aborto.
Gardner estava surpreendida por Ford não a tratar como uma movie star e não lhe dar muitas indicações.
O assistant director John Hancock morreu num acidente de jipe.
Surgiu um romance entre Clark Gable e Grace Kelly. Mas tudo parecia correr bem por parte da actriz e da sua mãe. Chegou-se a falar em casamento e Gable ter-se-á assustado com a ideia e deixou a Kelly. Kelly procurou ajuda em Gardner, que lhe disse que tal comportamento era normal em Gable.
Apesar do elevado orçamento, quase todo o filme foi filmado em estúdio.
Apesar da publicidade dizer que “Mogambo” significa “O Maior”, na verdade a palavra não tem significado. O produtor Sam Zimbalist teve a ideia para o título a partir de uma manipulação semântica no nome de um famoso club de Hollywood – “Mocambo”.
Muitos dos actores que apareciam em tronco nu tiveram de fazer depilação ao peito.
O filme inclui membros de várias tribos.
Alguns eventos no filme inspiram-se em eventos ocorridos nas filmagens – um leopardo chegou a aparecer na tenda de Ava Gardner, ela aleijou-se com uma faca ao cozinhar.
Num momento, Ava Gardner é empurrada por um bebé elefante. Ford não parou de filmar. A cena ficou intacta e é uma das mais divertidas do filme.
A censura em Espanha não permitiu o adultério da história. Assim, Linda e Donald passaram de casal para irmãos.
O filme foi um enorme sucesso, de público de crítica.
É a única nomeação aos Oscars de Ava Gardner.
[…] filme teria um remake em 1953 (já aqui visto) – “Mogambo”, de John Ford, com Ava Gardner (que pega na personagem de Jean Harlow) e […]