Título original – Crime Story
Com “Miami Vice” no topo das audiências, no final da Season 2 e a caminho da Season 3, Michael Mann “abandona” a sua “criança” para se dedicar a este novo e estimulante projecto.
Chicago, 1963.
O Tenente Michael Torello lidera uma unidade especial de combate ao crime organizado. O seu principal alvo é a estrutura montada e gerida por Ray Luca, um perigoso gangster disposto a tudo para manter o poder. Mas Torello também está disposto a tudo.
Uma luta intensa vai abalar a cidade, os dois homens, as organizações para as quais trabalham e todos ao seu redor.
Criadores: Chuck Adamson, Gustave Reininger
Elenco protagonista: Dennis Farina, Anthony Denison, Bill Smitrovich, Steve Ryan, Bill Campbell, Paul Butler, Stephen Lang
Elenco secundário Season 1: Darlanne Fluegel, Jon Polito, John Santucci, Ted Levine, Joseph Wiseman, Andrew Dice Clay, Jay O. Sanders, Patricia Charbonneau, Pam Grier, Denis Arndt, Ron Dean, Ray Sharkey, Johann Carlo
Elenco secundário Season 2: John Santucci, Joseph Wiseman, Andrew Dice Clay, Jay O. Sanders, Johann Carlo, Ted Levine
Intro
Claro que Michael Mann não “abandona” a sua influente “Miami Vice” para fazer uma outra “Miami Vice” ou uma “´Miami Vice` nos 60s” ou uma “Chicago Vice”.
Sim, temos algumas semelhanças temáticas (é uma série policial, centra-se numa brigada da Polícia, acompanhando o seu quotidiano humano e profissional, passa-se numa cidade emblemática dos USA) e artísticas (há igualmente requinte visual e luxo de produção), mas “Crime Story” segue diferentes opções narrativas (os protagonistas são os dois líderes das duas facções em confronto, um na Polícia, o outro no crime organizado; a história é em continuidade e não em episódios isolados) e estéticas (em momento nenhum “Crime Story” tenta rivalizar com “Miami Vice”, seguindo uma linguagem visual mais clássica na sua apresentação).
É, como o título indica, uma verdadeira crime story, ilustrando com detalhe a dinâmica humana das duas facções em confronto, sendo muito rigorosa na componente humana (a forma como Torello e Luca gerem as suas equipas – Torello vê ali uma irmandade com a qual se preocupa como se fosse família, Luca vê os seus aliados apenas como peões e utensílios para chegar ao poder), bem como nos detalhes logísticos (os métodos de investigação da brigada, os planos da organização criminosa e a criação do seu império criminoso), sem esquecer a dimensão sentimental (Torello cria afectos e ama a sua esposa, Luca trata a esposa, as amantes e as mulheres como escravas de prazer).
A par do dinamismo de uma narrativa policial (crimes, investigação, perseguições, tiroteios, lutas), há muita emotividade (a vida matrimonial de Torello e o difícil equilíbrio de tal com a sua profissão, os dramas de cada um dos agentes da brigada).
Igualmente conseguida é a abordagem a alguns problemas sociais/raciais da época (os judeus, os negros, os direitos civis e humanos).
A história é longa e complexa.
Apesar da continuidade entre episódios há sempre que necessário um recap de tudo o que se passou antes, para que o espectador não ande perdido.
É certo que pode haver alguma frustração do espectador em ver-se Torello e a sua equipa a demorarem tanto tempo e a perderem tantas oportunidades de apanharem ou destruírem Luca, o que pode remeter para um certo “esticanço narrativo” quase digno de telenovela.
Assim acontece nalguns momentos, mas não se pode negar engenho criativo na forma como se consegue encontrar saídas para Luca e obstruções a Torello.
“Crime Story” é, basicamente, um duelo implacável e levado ao limite entre duas masterminds dos dois lados da Lei, com cada um dos inimigos a engendrar sempre o melhor esquema de atingir os seus objectivos.
Mas é também uma história sobre amizades, lealdades e a quebra destas, o que original uma segunda linha de confrontação (a de Torello com um antigo aliado e amigo, que traz um twist no final).
O Pilot tem um tiroteio dentro de um centro comercial que é um modelo de encenação e impacto, parecendo quase um ensaio “low cost” do tiroteio no centro de L.A. visto em “Heat” (1995, “por acaso” escrito e realizado por… Michael Mann).
A Season 2 tem um notável episódio (E12 – “Femme Fatale”), que é um belo exercício de nostalgia ao film noir clássico (imagem a preto-e-branco, narração do protagonista).
A Season 1 foca-se no duelo entre Torello e Luca, sendo quase toda passada em Chicago, havendo uma constante continuidade.
A Season 2 muda-se para Las Vegas (o que dá à série outra dinâmica visual, através do luxo da fotografia e cenografia), criando mais histórias autónomas (no combate ao crime local, desenvolvendo alguns dramas e passados dos membros da equipa).
No final de ambas surge a criação de cliffhangers plenos de impacto e surpresa. O da S1 quase que funciona como um happy end para os heróis, podendo ser mesmo como que o fim da série. O da S2 é um choque, tem nada de happy (para ninguém) e acaba por ser um final bem abrupto, brusco e brutal para a série.
Óptimos valores de produção, que se reflectem na qualidade da fotografia, cenografia e guarda-roupa.
Excelente banda sonora, com um vasto conjunto de canções emblemáticas dos 60s.
Contrariando a lógica de “Miami Vice” (onde havia forte presença de um certo best of de canções pop da época, que ilustravam os eventos, num recurso a uma certa estética de vídeoclips), “Crime Story” coloca música a acompanhar momentos dinâmicos (investigações, golpadas, perseguições), mas não de uma forma tão estilizada como nas aventuras de Crockett & Tubbs.
Dennis Farina e Anthony Denison entregam grande convicção e virilidade aos seus personagens, fazendo das suas interpretações verdadeiros star vehicles. Porque Denison não se tornou uma TV Star é um mistério e uma injustiça. Os momentos (e são vários) entre os dois são explosivos.
O generoso elenco secundário está ao mesmo nível.
Uma série policial de grande nível narrativo, técnico, estético e artístico, que é um verdadeiro manual para o meio e o género.
“Crime Story” terminou ao fim de duas Seasons, com um total de 43 episódios. O abrupto cliffhanger da Season 2 deixa-nos a todos em suspenso, desejosos de respostas. Mas tal final tem mesmo de ser visto como o final definitivo sobre a série e os envolvidos.
Passou na RTP1, na época.
Não tem edição no nosso mercado, mas existe noutros, a bom preço; em pack autónomo por Season, ou com as duas Seasons.
Entre os secundários e guest stars estão Darlanne Fluegel, Ted Levine, Joseph Wiseman, Andrew Dice Clay, Jon Polito, John Santucci, Jay O. Sanders, Patricia Charbonneau, Pam Grier, Denis Arndt, Gary Sinise, Stephen McHattie, David Caruso (que depois iria protagonizar duas séries policiais emblemáticas – “NYPD Blue” e “C.S.I.: Miami”), Michael Wincott, Dana Wheeler-Nicholson, Michael Carmine, Paul Drake, Dennis Haysbert, Tom Signorelli, Scott Plank, Patti D’Arbanville, Ving Rhames, Maury Chaykin, James Remar, Lorraine Bracco, Christian Slater, Kevin Spacey, Paul Guilfoyle, Miles Davis, David Soul, Jenny Wright, Michael Rooker, Julia Roberts, Tim Guinee, Stanley Tucci, David Hyde Pierce, Bruce McGill, Frances Conroy, Steven Weber, Jere Burns, Deborah Van Valkenburgh, Debbie Harry, Julia Nickson, James Russo, George Dzundza, Timothy Carhart, Pamela Gidley, Anthony Heald, Earl Boen, Jack Nance, Frederick Coffin, Paul Anka, Debra Feuer, Billy Zane, Elias Koteas, Laura San Giacomo, Michael J. Pollard, Charlotte Lewis, Andreas Katsulas, Trey Wilson, Assumpta Serna, Paul Bartel, Tim Rossovich, Dexter Gordon, Ebbe Roe Smith, Lili Taylor, Eric Bogosian, Michael Madsen, Vincent Gallo, Ray Sharkey.
Muitos deles vinham e/ou iriam para “Miami Vice”. Alguns estavam em início de carreira e iriam a caminho do estrelato.
Na realização andam Michael Mann, David Soul (outrora o Hutch da popular e influente série policial (Starsky & Hutch” – por onde andou Mann), Bill Duke (que muito se dedicou ao policial criminal dentro da comunidade afro-americana), Gary Sinise (que iria protagonizar uma série policial popular – “C.S.I.: New York”), Abel Ferrara (nome forte do policial urbano).
Muitos deles vinham e/ou iriam para “Miami Vice”.
O Pilot é realizado por Abel Ferrara.
Chuck Adamson foi polícia em Chicago. Trabalhou muitas vezes com Michael Mann como conselheiro técnico (começou em “Thief”, em 1981, pois o filme lidava com uma área que Adamson combateu – roubos domésticos e empresariais, de grande elaboração e nível). Trabalhou também em “Miami Vice” (como conselheiro técnico e argumentista). O projecto surgiu durante a produção dessa série, Mann interessou-se e patrocinou este novo trabalho.
Dennis Farina foi polícia em Chicago durante vários anos. Trabalhou com Adamson. Foi apresentado a Mann por Adamson e trabalhou também com Mann como consultor técnico (começou em “Thief”, em 1981, pois o filme lidava com uma área que Farina combateu – roubos domésticos e empresariais, de grande elaboração e nível). Mann viu potencial nele e Farina seguiu para uma carreira como actor.
Gustave Reininger era um ex-banqueiro de Wall Street. Chegou a escrever um livro sobre crimes de fogo posto, que muito cativou a atenção de Mann. Para preparar a história de “Crime Story” chegou a ter várias conversas com vários operacionais da Polícia e vários criminosos na prisão.
Perante o sucesso de “Miami Vice”, a NBC deu total liberdade a Michael Mann para se envolver noutro projecto.
Mann, Adamson e Reininger inspiraram-se na série de Rainer Werner Fassbinder, “Berlin Alexanderplatz”, pela continuidade narrativa entre episódios.
A Universal Pictures ia financiar a série, mas depois mudou de ideias dados os custos (“Miami Vice”, também da Universal, tinha um custo de 1 milhão de Dólares por episódio).
A New World Pictures Ltd. Entrou em cena e financiou a série. New World Pictures Ltd. ficou com os direitos das vendas internacionais, a Universal com o mercado americano.
Dado que Mann andou por “Miami Vice”, muitos argumentistas, realizadores, actores secundários e guest stars vinham dessa série para “Crime Story” ou iam para ela vindos de “Crime Story”.
Julia Roberts tem aqui a sua primeira aparição em Televisão. É na Season 1, no episódio “The Survivor”.
Kevin Spacey tem aqui a sua primeira aparição em Televisão. É na Season 2.
No final das filmagens da Season 2, Farina filmou as suas cenas de “Midnight Run” (1988). Nesse filme, Farina interpreta um líder da máfia.
Dennis Farina, Bill Smitrovich e Stephen Lang voltariam a trabalhar com Michael Mann, em “Manhunter” (1986).
Segundo o projecto inicial de Mann, a Season 1 veria a sua narrativa a passar de Chicago em 1963 a Las Vegas em 1980.
Mann previa que a série durasse 5 seasons.
Devido aos custos elevados, teve de se travar a ideia da série se passar ao longo de várias décadas. Mesmo assim permitiu-se que a narrativa se passasse em Las Vegas.
O look veio derivado de livros sobre a vida e arte dos 50s.
Alguns carros eram de coleccionadores.
As filmagens decorriam a um ritmo de 12 horas por dia, sete dias por semena. Por cada 3 semanas era completado um episódio.
Os custos por episódio eram de 1.4 milhões de Dólares.
Os argumentos reflectem alguma da experiência de Adamson como polícia em Chicago, ao largo de 17 anos de carreira.
John Santucci interpreta um aliado de Ray Luca. Santucci foi um ladrão e muitas vezes se confrontou com Chuck Adamson e Dennis Farina. Muitos dos roubos e assaltos vistos na série são inspirados em trabalhos de Santucci.
Ray Luca é inspirado num gangster de Chicago, Tony “The Ant” Spilotro. Spilotro também inspirou o personagem de Joe Pesci em “Casino” (1995).
O personagem de Andrew “Dice” Clay inspira-se no sócio de Spilotro, Frank “Lefty” Rosenthal. Rosenthal também inspirou o personagem de Robert De Niro em “Casino” (1995).
O personagem de Steve Ryan, o detective Nate Grossman inspira-se num police detective com o mesmo nome, que trabalhou com Chuck Adamson e Dennis Farina. O verdadeiro Grossman morreu no cumprimento do dever.
O personagem de Joseph Wiseman, o crime lord de Miami, Manny Weisborn, é inspirado em Meyer Lansky.
O personagem Frank Holman é baseado no ladrão Frank Hoheimer, que ficou muito famoso nas suas actividades em Chicago, tendo sido detido por Chuck Adamson. Michael Mann inspirou-se em Hoheimer para o filme “Thief” (1981, que era baseado num livro escrito por Hoheimer).
O bar “Orbit Room” é visto na série, mas era um bar real em Chicago, a partir de Abril de 1986. Foi inaugurado semanas antes do começo das filmagens da série. Fechou dois anos depois.
O momento em que Ray Luca mata um rival é inspirado num evento semelhante que vitimou o líder mafioso de Chicago, Sam Giancana.
O Pilot teve uma duração de 2 horas e chegou a ter uma pequena carreira nas salas.
Ao contrário do que era norma nas séries policiais (episódios com histórias independentes), “Crime Story” tinha frequentemente continuidade de episódio em episódio.
É frequente verem-se episódios a terminar com a indicação “To be continued”.
A série teve grandes elogios por parte da crítica e começou bem em termos de audiência.
“Crime Story” começou por ser exibida na NBC, na mesma noite de… “Miami Vice”, mas depois desta. Os números da audiência eram interessantes, mas a série perdia para “Falcon Crest”. Mudou-se o dia e horário, mas passou a competir com “Moonlighting” (a série que revelou Bruce Willis), exibida pela ABC. “Moonlighting” era bem popular (estava na Season 3), já tinha ganho prémios (e ia ganhar mais) e tal ajudou a queda de “Crime Story” nas audiências.
Ao fim da Season 2, o estúdio não se deixou convencer pelos números das audiências e cancelou a série.
A Season 2 termina com um tremendo cliffhanger, que deixou os espectadores ansiosos sobre como se iria solucionar a situação exposta. Mas como a série termina aí, fica a ideia que o final é mesmo definitivo para todos os envolvidos.
A canção “Runaway” é de Del Shannon e foi um enorme sucesso em 1961. Shannon foi convidado por Mann e fez alterações na letra.
“Crime Story” foi muito influente nas séries “Wiseguy”, “24” e “The Sopranos”.
A “Time” considerou “Crime Story” como uma das melhores séries televisivas de 1986 e dos 80s.
No seu livro “The Critics’ Choice – The Best of Crime and Detective TV”, editado em 1988, Max Allan Collins (estimável escritor de comics no campo do thriller) e John Javna escolheram “Crime Story” como “Uma das 10 melhores séries policiais de sempre”.
Parte de uma entrevista a Michaell Mann, onde se fala de “Crime Story”
https://ew.com/article/2012/01/28/michael-mann-crime-story-robbery-homicide-division-luck/