Paul Verhoeven já há muitos anos que se move na Europa.
Eis o seu regresso a tempos medievais (“Flesh and Blood” foi em 1985) e sempre controverso, devido ao costume – a sexualidade do ser humano.
A polémica agora é ainda maior – tudo se passa num convento.
Itália, Século XVII.
Benedetta é uma jovem freira, que vive assolada pelas visões de que Jesus Cristo a quer reclamar para si.
Mas a chegada de uma noviça, Bartolomea, que fica a cargo de Benedetta, vai despoletar a descoberta de prazeres e um amor proibidos, que muito vão abalar o convento e o Clero.
“Basic Instinct” em tempos medievais e num convento?
Quase.
O autor de “RoboCop” move-se pelos interiores eclesiásticos femininos, mostra algo dos jogos hierárquicos e como ascender/descender no meio, explica como se consegue criar medo, paranóia e domínio sobre uma população através do poder dos dogmas e a manipulação da fé.
O autor de “Showgirls” não se move apenas pelo interesse pela polémica ou choque.
O interesse do autor de “Black Book” é contar uma história de amor, aqui entre duas mulheres, ambas do Clero, que desafia convenções e regras (da época e do meio).
Como sempre, o autor de “Spetters” não perde tempo com subtilezas, sendo bem directo e explícito (nunca caindo no vulgar, mas com uma visualização que é sempre capaz de abalar conservadores rígidos), controverso (o uso de uma estatueta de Nossa Senhora como um dildo), sabendo criar a devida ambiguidade (Benedetta foi mesmo alvo de um acto divino ou tudo foi uma encenação para subir na hierarquia?), filmando sempre com bom gosto visual (a encenação teatral, a visão de Cristo na cruz, o céu “quente”).
Excelente fotografia e cenografia.
Óptimo trabalho do elenco, com destaque para uma rigorosa Charlotte Rampling, uma muito natural Daphne Patakia e uma Virginie Efira de grande entrega emocional e física.
Ainda que com a sua dose de polémica, o novo choque de Paul Verhoeven propõe uma reflexão sobre certos dogmas e regras da Igreja, mostrando uma simples (mas difícil e dificultada) história de amor entre duas pessoas.
“Benedetta” já andou pelas nossas salas. Já se move em streaming e no mercado doméstico.
Realizador: Paul Verhoeven
Argumentistas: David Birke, Paul Verhoeven, Pascal Bonitzer, a partir do romance de Judith C. Brown (“Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy”)
Elenco: Virginie Efira, Charlotte Rampling, Daphne Patakia, Lambert Wilson
Sites
https://www.ifcfilms.com/films/benedetta
http://www.patheinternational.com/fr/fiche.php?source=rech&id_film=867
O filme esteve em Cannes 2021.
“Top 5 – Filmes Estrangeiros”, pela National Board of Review 2021.
“Prémio WFCC”, nos Women Film Critics Circle 2021.
Virginie Efira concorreu a “Melhor Actriz”, nos César 2022. Perdeu para Valérie Lemercier em “Aline”.
O livro de Judith C. Brown foi editado em 1987.
Gerard Soeteman (argumentista habitual de Verhoeven na sua fase inicial, na Holanda – “Turkish Delight”, “Soldier of Orange”, “Spetters”, “The Fourth Man”) descobriu o livro de Judith C. Brown e recomendou-o a Verhoeven.
Verhoeven interessou-se e começou a desenvolver o projecto com Soeteman.
Soeteman e Verhoeven trabalharam no projecto durante vários anos, mas este ficou adiado devido à carreira de Verhoeven em Hollywood (tinha feito “RoboCop”, o filme foi um enorme sucesso e o seu nome estava hot e muito solicitado em Hollywood – o cineasta seguiu para “Total Recall”).
Mas surgiram conflitos criativos – Soeteman queria abordar os jogos entre a hierarquia do Clero e a forma como Benedetta ascende no meio e numa sociedade dominada por homens; Verhoeven também queria andar por aí mas também queria contar a história de amor entre as duas mulheres.
O duo separou-se e Verhoeven chamou David Birke, com quem tinha trabalhado em “Elle” (2016).
Verhoeven tentou convencer Isabelle Huppert (com quem trabalhou em “Elle”) para participar como secundária.
Reencontro entre Paul Verhoeven e Virginie Efira, depois de “Elle”.
É o segundo filme de Verhoeven falado em Francês, depois de “Elle”.
Verhoeven tem um projecto antigo de fazer um filme sobre Jesus Cristo, baseado num livro que o cineasta escreveu em 2008.
Também tem um sobre Joana d’Arc, um sobre a Resistência Francesa e um drama passado num mosteiro, escrito por Jean-Claude Carrière, com o título “Blessed Virgin”. Este último tem muitas semelhanças com “Benedetta”.
“Blessed Virgin” chegou a ser o título inicial de “Benedetta”. Aliás, um primeiro poster promocional mencionava esse título.
Verhoeven inspirou-se em “Ivan, The Terrible” de Sergei Eisenstein, e “The Seventh Seal” de Ingmar Bergman.
Muita da luminosidade é natural e o filme foi quase todo filmado de “câmara na mão”.
Todas as cenas íntimas foram meticulosamente planeadas e conversadas entre todos os envolvidos de cast & crew.
Virginie Efira e Daphne Patakia elogiam a forma como Paul Verhoeven filmava as cenas íntimas e pelo ambiente descontraído que criava.
O filme ficou pronto em Novembro de 2018, com intenções de ir a Cannes 2019. Mas em Dezembro de 2019, Paul Verhoeven teve de ser alvo de uma operação cirúrgica, o que atrasou a pós-produção. Tudo ficou pronto em 2020, mas devido à pandemia Covid-19, a exibição do filme sofreu atrasos.
O filme está proibido na Rússia.
O filme causou controvérsia e protestos na première, no Festival de Nova Iorque.
Perante as acusações de blasfémia, Paul Verhoeven defende-se dizendo que o filme relata um caso verídico e que não se pode alterar a História.
Sobre o evento
https://bigthink.com/the-past/benedetta-carlini-catholic-saint-trial/
https://starlifegeek.com/benedetta-carlini
https://headstuff.org/culture/history/benedetta-carlini-fallen-visionary/
Sobre Judith C. Brown
https://jbrown.faculty.wesleyan.edu
https://www.goodreads.com/author/show/234422.Judith_C_Brown