Título original – Cobra
Sylvester Stallone teve um ano em grande em 1985. Rocky e Rambo receberam novos episódios (“Rocky IV” e “Rambo: First Blood – Part II”) e atingiram valore$ incríveis (ambos passaram largaramente os 100 milhões de Dólares nos USA e os 300 a nível mundial).
Com o seu status tão em alta, Sly investe num novo personagem, apto para uma nova saga.
Marion “Cobra” Cobretti é o mais implacável agente da LAPD. Os seus serviços são chamados para os casos mais complicados em matéria de violência.
Uma brutal vaga de crimes assola a cidade. Uma modelo vê a sua vida em perigo ao assistir a um desses crimes.
Cobra deve protegê-la e na investigação descobre um culto fanático que procura uma “nova ordem” no mundo.
O filme dá o seu mote logo no início – a situação que exige Cobra (reféns num supermercado, aprisionados por um louco homicida), a chegada de Cobra (o carro, o visual), a atitude de Cobra (“Go ahead, I don´t shop here” – quando o terrorista ameaça destruir o supermercado), a sua ideologia (“I don`t deal with psychos, I put`em away” – quando o terrorista quer negociar), a sua postura (“You`re a disease. I`m the cure” – assim diz ele ao terrorista quando este se quer afirmar) e método (bang bang certeiro).
“Cobra” é um policial actioner, seguindo a onda clássica do género sobre o polícia duro, solitário e incorrupto, em luta contra um crime cada vez mais violento e regras cada vez mais burocráticas.
O filme ainda segue a “mentalidade” do género que vinha desde “Dirty Harry” (1971, de Don Siegel, com Clint Eastwood) e que acompanharia todo o género para este tipo de histórias ao longo dos 70s e 80s – a Polícia cercada por burocracias e regras que visam travá-la contra o crime, Justiça inoperacional e incompetente, criminosos com mais direitos do que deveres.
Como título surgido em plenos 80s, traz também a ideologia da Era Ronald Reagan – apologia dos ideais republicanos, o individualismo heróico, o direito à resposta armada.
Mas ideologias e politiquices à parte, “Cobra” tem (e deve) ser visto apenas como objecto cinematográfico.
Estamos perante um cop actioner dinâmico, estilizado, (bem) violento, assente na presença do polícia heróico e salvador, não deixando de apontar o dedo a alguns males da sociedade.
É certo que o “retrato social, judicial e policial” não é totalmente conseguido (isso dava jeito, para melhor justificação dos métodos do protagonista), mas tal desculpa-se pela formatação que o filme dá em exclusividade ao entretenimento actioner.
Boas set pieces (a perseguição automobilística, o duelo/perseguição com as motos).
A relação/dinâmica entre a dupla de polícias é divertida (as provocações, os métodos pouco convencionais).
O filme pretende contar um duelo entre Good Guy e Bad Guy(s), fazendo a apresentação de um novo personagem/herói.
Resulta.
Cobra é prático – treina shooting practice todos os dias, tem uma casa simples, limpa e iluminada, come pedaços de pizza vinda do frigorífico e corta-a com uma tesoura normal, limpa a arma todos os dias e come fruta.
Cobra tem ideias – pretende um mundo livre de criminosos, com leis, mas que estas ajudem a Polícia no combate ao Mal.
Cobra tem valores e emoções – é amigo do seu partner, tem sentido de humor, dá-se ao respeito e ajuda a lady in distress.
Cobra tem look – negro, imponente, temível, implacável, personalizado.
Cobre revela-se o equivalente a Dirty Harry para os 80s (na época, até houve quem fizesse a comparação entre dos dois filmes e personagens), para a ideologia da época e para os problemas vigentes.
É certo que haverá quem peça mais definição ao personagem (hoje em dia, há sempre quem queira saber detalhes da sua infância e adolescência, família, os seus dramas e traumas, medos e méritos, até mesmo a orientação sexual), mas resulta sempre bem um personagem rodeado de mistério, o que dá uma certa mística a ele (assim aconteceu com Snake Plissken, Jack Burton, Han Solo, Indiana Jones, James Bond, Rambo e mesmo Dirty Harry – alguém quer saber do seu background ou das suas origens? saber esses detalhes enriquece mais os personagens ou dá-lhes mais poder icónico?).
E é sempre huge fun quando Cobra despacha mais um facínora. Sempre com grande style na sua atitude e nas suas lines. E com um armamento que impressiona.
E é isto que (também) queremos quando vemos um (bom) actioner.
Algumas passagens são algo bruscas e incoerentes (fruto dos problemas na montagem final).
Faltou também uma melhor e mais profunda abordagem aos vilões (a sua organização, os seus métodos, motivações e ideologias).
Excelente fotografia, do grande Ric Waite. Waite é um habitual de Walter Hill (“The Long Riders”, “48 Hrs.”) e habituado a ambientes policiais (“The Border”), dinâmicos (“Red Dawn”), nocturnos (“Adventures in Babysitting”), estilizados (“Footloose”) e a action stars (fotografou Steven Seagal em “Marked for Death” e “Out for Justice”). Waite dá ao filme um look sombrio, de trevas constantes, como se fosse uma jornada ao Inferno.
George Pan Cosmatos mostra mais uma vez que era bom tarefeiro para o actioner (como se viu em “The Cassandra Crossing” e “Rambo II”). Filma com eficácia, mas sem rasgos personalizados.
O filme pedia, há época, Walter Hill. Se fosse hoje, teria de ser David Fincher.
Sylvester Stallone está em topo de forma como action hero. De poucas palavras, simples e directo, de eficácia letal e precisa. O seu visual é unique, personalizado e icónico.
Brigitte Nielsen é girinha, mas insípida e incapaz de transmitir qualquer tipo de emoção.
Um óptimo actioner, bem à Stallone e à 80s.
Obrigatório.
“Cobra” tem edição portuguesa, a bom preço. Diversas edições europeias contam com legendas em Português, estando também a bom preço.
O filme teve recentemente uma nova edição em Blu-Ray, com novos extras. Lamentavelmente, ainda não temos o (muito desejado e pedido) Director`s Cut (mais violento e mais longo) e nos extras não temos a presença de Sylvester Stallone (que nos faria um melhor enlightenment sobre a produção).
Realizador: George Pan Cosmatos
Argumentista: Sylvester Stallone, a partir do romance de Paula Gosling (“A Running Duck”)
Elenco: Sylvester Stallone, Brigitte Nielsen, Reni Santoni, Andrew Robinson, Brian Thompson, John Herzfeld, Lee Garlington, Art LaFleur, Val Avery, David Rasche
Trailer
Clips
Making of
Banda sonora
Orçamento – 25 milhões de Dólares
Bilheteira – 49 milhões de Dólares (USA); 160 (mundial)
Nomeado para vários Razzies, em 1987 – “Pior Filme” (“Howard The Duck” de George Lucas e “Under the Cherry Moon” com Prince foram os eleitos), Stallone ia para “Pior Actor” (Prince foi o “vencedor” com “Under the Cherry Moon”), Brigitte Nielsen ia para “Pior Actriz” (Madonna foi preferida por “Shanghai Surprise”), Brian Thompson ia para “Pior Actor Secundário” (Jerome Benton em “Under the Cherry Moon” foi “superior”), “Pior Argumento” (o de “Howard the Duck” foi considerado “melhor”).
O romance de Paula Gosling foi editado em 1974 e recebeu muitos elogios e prémios.
O argumento é uma versão livre do romance “A Running Duck”, escrito por Gosling. O mesmo livro serviria de base para um outro filme – “Fair Game”, feito em 1995, produzido por Joel Silver, com William Baldwin e Cindy Crawford.
O argumento usa muitas das ideias que Sylvester Stallone tinha para “Beverly Hills Cop” (1984). Sly era a escolha principal para esse filme e fez muitas mudanças no argumento. Criou uma série de set pieces que fariam do filme (segundo os produtores) uma action extravaganza, que muito elevaria os custos de produção. Sly é rejeitado e Eddie Murphy é chamado. Com tal escolha, o argumento muda de tom. Sly guarda as ideias em busca do projecto adequado. E surge “Cobra”.
Stallone inspirou-se numa brigada especial da Bégica, denominada “Zombie Squad”, uma unidade especial que trabalhava de noite e lidava com criminosos de uma forma “especial”.
Stallone ainda teve de fazer várias alterações ao seu argumento inicial. A cena inicial passava-se numa sala de cinema, mais pessoas eram mortas; mencionava-se que Cobra viu a sua esposa a ser morta por um psicopata (o que explica a sua atitude como agente da Polícia); havia uma cena de acção a envolver um barco; no final revelava-se que o líder do grupo assassino era uma chefia da Polícia.
Reencontro entre Sylvester Stallone e George Pan Cosmatos, depois de “Rambo: First Blood – Part II” (1985).
Andrew Robinson e Reni Santoni participavam em “Dirty Harry” (1971), filme com o qual “Cobra” foi comparado. Nesse filme, Robinson é o assassino, Santoni é o parceiro de Harry. Em “Cobra” são ambos polícias.
Brian Thompson teve de se afirmar para conseguir o personagem de Nightslasher. Inicialmente, Stallone e Cosmatos achavam-no demasiado simpático para ser vilão.
O filme marcou uma co-produção entre a Cannon e a Warner. Stallone faria um filme para a Cannon (“Over the Top”, em 1987), pelo qual recebeu um salário exorbitante para a época (12 milhões de Dólares).
Stallone controlava tudo no set e planeava os shots.
Ninguém do elenco secundário ou da crew estava autorizado a falar com Stallone.
Stallone chegou-se a queixar a Ric Waite (o director of photography) que a crew precisava de se empenhar e trabalhar mais. Waite disse ao actor que ele deveria empenhar-se mais no filme de deixar a sua relação com Brigitte Nielsen (na época estavam casados) para casa. Stallone sentiu-se indignado por tal coragem (afinal, ele era uma big movie star), mas mesmo assim melhorou a sua atitude e profissionalismo nas filmagens.
Waite diria que Sly tinha um ego grande, mas bom sentido de humor. Segundo Waite, Stallone é que era o realizador do filme e considerou Cosmatos como um mau realizador.
Durante a confrontação final, Stallone chegou a magoar Thompson.
Muitos heróis do action cinema dos 80s chamam-se John – John Rambo, John “Commando” Matrix, John “Die Hard” McClane). Cobra tem como nome Marion Cobretti. É uma brincadeira a John Wayne (cujo nome verdadeiro era Marion Morrison), símbolo máximo do action hero, que muitas vezes interpretou personagens de nome John (John Bernard “The Shootist” Books, John Chisum, John T. “Rio Bravo” Chance).
O Mercury 1950 de Cobretti era mesmo de Stallone. Mas para certas cenas (que envolviam estragos no carro), foram criadas réplicas.
A pistola de Cobra é uma Colt Gold Cup National Match 1911.
A metralhadora que Cobra usa é uma Jati-Matic. Surgiu no início dos 80s, mas poucos países a adoptaram. Nos 90s seria usada na Finlândia. Usava balas de 9mm, com carregadores para 19 balas, disparando a um ritmo de 600 balas/minuto. Entre os acessórios estavam silenciador e mira laser (que o filme usa).
A faca do Night Slasher foi especialmente criada por Herman Schneider. Stallone queria uma faca de design único.
Na perseguição automobilística, é o carro do Nightslasher que ia chocar com o barco. No cut final é o carro de Cobra que choca.
A perseguição das motas ia passar-se em Seattle e de noite. Mas Stallone pediu para se mudar para dia, devido a problemas com mosquitos durante a noite.
No monólogo final de Nightslasher, Thompson estava frente a uma rapariga como stand-in. Nesse momento, Stallone estava a ver um jogo de basketball na Televisão.
Brigitte Nielsen usava uma peruca.
O filme publicita muitos produtos – Pepsi, Coors, Toys R Us, Coca-Cola, Miller High-Life.
Body count – 52; 41 são mortos por Cobra.
O primeiro cut era de 130 minutos. Muita footage foi retirada devido à sua violência. O cut final ficou em menos de 90 minutos.
Stallone era fã de John Cafferty e da sua The Beaver Brown Band, pelo que lhes pediu uma canção para o filme. Cafferty já tinha criado uma para “Rocky IV”.
A canção para o filme:
Brian Thompson não foi convidado para a première. Até hoje, o actor não sabe porquê.
Na época, o filme teve uma péssima recepção por parte da crítica.
Na época, foi considerado como uma decepção no box-office. Mas só em termos comparativos (face a “Rocky IV” e “Rambo II”). “Cobra” tinha conseguido o melhor fim-de-semana na história da Warner Brothers e da The Cannon Group (12 milhões de Dólares). Os números nacionais e mundiais foram bem rentáveis, bem como o mercado doméstico.
Em 1987, a Ocean Software fez um videogame para ZX Spectrum, Commodore 64 e Amstrad CPC.
Chegou-se a planear “Cobra II”, mas tal nunca avançou.
O tempo permitiu ao filme ganhar um estatuto de cult movie.
Santiago Segura inspirou-se em “Cobra” para o seu personagem Jose Luis Torrente em “Torrente” (1998) e sequelas.
Nicolas Winding Refn é um grande fã de “Cobra”. Procurou homenageá-lo em momentos de “Drive” (2011).
O filme ainda não recebeu o seu director`s cut, apesar de haver uma forte petição na internet e junto do estúdio.
Segundo Stallone, Marion Cobretti era um Bruce Springsteen com um crachá.
Sobre Paula Gosling:
https://www.fantasticfiction.com/g/paula-gosling/
https://www.goodreads.com/author/show/71096.Paula_Gosling