Título original – Point Blank
É um dos primeiros filmes a fazer uma modernização e revisitação aos códigos do noir 40s.
E fá-lo ao ir a uma excelente fonte – um romance de Donald Westlake (escrito com pseudónimo), prestigiado escritor do noir hardboiled, com protagonismo de um grande personagem da Literatura e de Westlake.
Walker, reputado assaltante, é deixado como morto pelos seus comparsas.
Mas Walker regressa, procura vingança e o seu dinheiro.
Custe o que custar.
Retrato, à queima-roupa, de uma vingança e de um mundo onde não há good guys, apenas bad men (& women) e vítimas, sobrando espaço para alguns menos bad que outros.
Walker é um homem mau, mas ao menos move-se por valores mais dignos que os inimigos.
Se Walker ainda consegue desenvolver alguma emotividade, os seus inimigos revelam-se pessoas ocas, movidas apenas pela cobiça, ganância e poder, para quem os outros são apenas acessórios, decoração e meios para os seus fins.
“Point Blank” marca assim a mudança dos tempos face ao Film Noir e ao Gangster Film dos 30`s e 40`s – é menos o dinheiro a manipular o(s) inimigo(s) do(s) protagonista(s) e são mais os interesses das grandes corporações.
Desta forma, o filme anuncia que as novas organizações criminais já não eram movimentos de outlaws mas sim de gente poderosa, com braços alargados até circuitos do poder político, financeiro e empresarial.
“Point Blank” é, portanto, “profético” face aos gangsters que assolam as as sociedades modernas.
Assim sendo, o filme torna-se algo “político”, precisamente por esse olhar sobre os perigos de algum corporativismo e pela renovação/modernização do clássico tema “indivíduo vs colectivo”.
Walker, com os seus métodos old school (onde tudo se resolve sem parcerias interesseiras, diplomacia ou politiquice, mas sim à lei da bala), mostra-se o mal necessário, a cura adequada.
Mais do que um outlaw, Walker revela-se um homem out of time, incapaz de viver neste novo mundo/tempo.
É essa questão moral/imoral/amoral que é o cerne da narrativa e é desse duelo entre protagonista e inimigos que surge uma riqueza fascinante no filme.
Jornada de vingança, cruzada mortal de um homem (“por acaso” dado como morto), “Point Blank” acaba por ser, afinal, a história do renascimento de um homem.
Curiosa é a possibilidade (que é apontada por muitos) que tudo não passa de um sonho de Walker, quando à beira da morte – o que leva a ver o filme por uma perspectiva completamente diferente (que entra em sintonia com algumas das opções estéticas de alguns momentos, nas áreas de fotografia e montagem).
(o mesmo tipo de leitura seria feita anos depois, também por uns “happy few”, a “Taxi Driver”, de Martin Scorsese, à volta do massacre que Robert De Niro/Travis Bickle executa no final)
Final com alguma surpresa, a deixar algumas considerações (morais) ao espectador, tanto mais que se insere no “debate” moral que a narrativa propõe.
Engenhosa montagem (de som e imagem) que permite o acompanhamento simultâneo de diversos acontecimentos ou do mesmo por vários ângulos, bem como flashbacks dentro de flashbacks, adaptando um certo modelo de (des)construção narrativa que vinha da Nouvelle Vague.
(não admira que o filme tenha tido sucesso na Europa, sendo a França um dos países que mais ajudou à revalorização de “Point Blank” e à sua elevação ao estatuto de Cult Movie – vários elementos da Nouvelle Vague mostraram-se grandes adeptos e defensores do filme)
Excelente fotografia.
Bonito guarda-roupa.
Lee Marvin tem aqui uma das suas mais perfeitas performances da sua carreira, ao compor um homem duro e violento, mas não isento de valores.
Angie Dickinson raramente esteve tão bem, linda e sexy.
(bem, não esqueçamos “Rio Bravo” e “Dressed to Kill”)
O restante (e excelente) elenco acompanha-o bem.
John Vernon, Keenan Wynn e Lloyd Bochner são impecáveis na criação de vilões manipuladores, assentando o seu poder em jogos de parcerias e estratégias, com menos recurso a músculos ou brutalidade.
John Boorman dirige com estilo e garra, entre o clássico e o moderno, filmando à queima-roupa (os ataques de e a Walker) e com sentido artístico e estético (os flashbacks).
Um momento alto do género e da sua renovação/revisitação/reinvenção que lhe ocorreu nos 60s.
Obrigatório.
“Point Blank” não tem edição portuguesa. Pode ser encontrado noutros mercados, a bom preço.
Realizador: John Boorman
Argumentistas: Alexander Jacobs, David Newhouse, Rafe Newhouse, a partir do romance (“The Hunter”) de Richard Stark (pseudónimo de Donald E. Westlake)
Elenco: Lee Marvin, Angie Dickinson, Keenan Wynn, Carroll O’Connor, Lloyd Bochner, Michael Strong, John Vernon, Sharon Acker, James Sikking, Sandra Warner
Orçamento – 3 milhões de Dólares
Bilheteira – 9 milhões de Dólares
Mercado doméstico (USA) – 3.5 milhões de Dólares
Trailer
Clips
Making of
“Point Blank” no TCM
John Landis sobre “Point Blank”
“Filme a Preservar”, pela National Film Preservation Board USA 2016.
John Boorman e Lee Marvin conheceram-se no set de “The Dirty Dozen” (1967). Ambos falaram do argumento de “Point Blank” (foi Marvin que o mostrou a Boorman). Apesar de ambos não gostarem do argumento, ambos gostavam do protagonista.
Segundo Boorman, Marvin contribuiu com imensas ideias visuais e narrativas.
É o primeiro filme filmado na prisão de Alcatraz (tinha fechado em 1963).
Walker usa uma Smith & Wesson Model 29 .44 Magnum (a arma que ficaria popular quando Clint Eastwood interpretou Dirty Harry).
Durante um ensaio para uma cena, Lee Marvin magoou John Vernon de tal forma, que este até chorou. Marvin achava que Vernon não era adversário adequado a ele. Vernon replicou que era actor e não um lutador, mas quando se filmou a cena em causa, Vernon soube impor-se.
Lee Marvin e Angie Dickinson já se tinham encontrado em “The Killers” (1964, de Don Siegel). Não se deram muito bem e até houve alguma tensão no set de “Point Blank” (Marvin queria Peggy Lee). Marvin e Dickinson voltariam a encontrar-se em “Death Hunt” (1981, ao lado de Charles Bronson).
Marvin e Boorman reencontrar-se-iam – seria no igualmente excelente “Hell in the Pacific”, em 1968, com Toshiro Mifune.
O tempo foi favorável ao filme – ganhou estatuto de culto, de clássico e é considerado como um dos melhores neo-noir de sempre.
O filme ainda hoje suscita debate sobre o facto da história ser (ou não) um sonho do protagonista.
Muitos analistas vêm no filme uma organização narrativa e visual derivada de Alain Resnais.
Um poster de “Point Blank” surge numa cena de “Mean Streets” (1973, de Martin Scorsese).
O look de Marvin neste filme inspirou o look do protagonista da graphic novel de Gil Kane, “His Name Is Savage!”.
O filme teria o (relativo) remake – o igualmente excelente e artístico-estético “Payback”, em 1999, de Brian Helgeland, com Mel Gibson. Os dois filmes baseiam-se no mesmo romance (“The Hunter”).
Está nos “1001 Movies You Must See Before You Die”, de Steven Schneider.
Parker é uma das mais brilhantes criações de Donald Westlake (um dos grandes nomes da literatura hard-boiled), criado sob o pseudónimo de Richard Stark.
O cinema já o adaptou:
- “Point Blank” (1967) – referencial título do neo-noir, assinado com muita classe por John Boorman, com um impecável (e implacável) Lee Marvin.
- “The Split” (1968)- , eficaz actioner noir, com Jim Brown.
- “The Outfit” (1973) – vibrante título, vigorosamente assinado por John Flynn, com Robert Duvall.
- “Payback” (1999) – notável e estilizado neo-noir, realizado por Brian Helgeland, com um estupendamente violento Mel Gibson, num título de montagem complicada(teve direito a um pouco convencional theatrical cut e a um transgressor director`s cut).
- “Parker” (2013) – muito eficaz action noir, de Taylor Hackford, com Jason Statham.
Os cinco títulos são (bem) merecedores de (re)descoberta.
Westlake nunca permitiu que as adaptações cinematográficas usassem o nome Parker, a não ser que os produtores se comprometessem com uma saga (era assim que acontecia nos livros).
Só com Statham é que o personagem (cinematográfico) se chamou Parker. Com Marvin chamou-se Walker, com Brown chamou-se McClain, com Duvall chamou-se Macklin, com Gibson chamou-se Porter.
“Parker” usou o romance “Flashfire”. O mesmo conto (“The Hunter”) inspirou “Point Blank” e “Payback”. “The Seventh” foi a fonte para “The Split”. “The Outfit” inspirou o homónimo filme. Um dos romances (“The Jugger”) foi “adaptado” por Jean-Luc Goddard em 1966, com o filme “Made in U.S.A.”. Mas como os responsáveis não compraram direitos a Westlake, este conseguiu que o filme fosse interdito de estreia em diversos países.
Westlake faleceu em 2008 e os seus herdeiros autorizaram o uso do nome Parker.
Parker teve direito a adaptações como graphic novels. Foi pela (excelente) mão de Darwyn Cooke. Esta saga de bd está editada em Portugal.
https://www.goodreads.com/series/54156-parker-graphic-novels
https://www.idwpublishing.com/product-category/richard-starks-parker/
https://www.subtraction.com/2014/07/01/darwyn-cookes-adaptation-of-parker/
Sobre Parker e Donald Westlake/Richard Stark:
http://violentworldofparker.com/
http://www.thrillingdetective.com/parker.html
http://www.donaldwestlake.com/
https://www.goodreads.com/author/show/13634.Richard_Stark
https://www.fantasticfiction.com/s/richard-stark/
https://www.bookseriesinorder.com/richard-stark/
https://www.goodreads.com/author/show/30953.Donald_E_Westlake
https://www.bookseriesinorder.com/donald-e-westlake/
https://www.fantasticfiction.com/w/donald-e-westlake/
http://www.thrillingdetective.com/trivia/westlake.html