Título original – Casualties of War
Brian De Palma abandona o suspense para fazer uma “reportagem” sobre o lado mais obscuro da presença militar americana no conflito do Vietname.
Durante uma missão de patrulha, um pelotão vê-se atacado e um dos seus elementos (bastante querido) é morto.
Cheio de raiva, o líder do grupo rapta uma rapariga local e leva quase todo o pelotão a violá-la.
Um soldado coloca-se à margem e procura resolver a situação.
Um filme onde as ditas “casualties of war” não se limitam aos cadáveres que tombam pelas balas, mas sim todos aqueles que vêm tombar os seus valores morais, as vítimas de tal, bem como aqueles que procuram lutar contra tamanho mal, ainda que de forma infrutífera.
É um implacável drama de guerra, que oferece uma imagem nada heróica e até bem malévola das tropas americanas.
Para além de ilustrar uma situação bem imoral e indigna, o filme carrega bem no drama de consciência do protagonista e da sua dor perante a incapacidade em ser “herói” (vê-se sozinho e incapaz de salvar a rapariga das atrocidades que sofre) e da sua moralidade (a certo momento ele tem de ser “inimigo” daquele que lhe salvou a vida).
O filme de De Palma acaba por ser um retrato desencantado sobre men in war, dos efeitos da guerra no ser humano, do nascer da brutalidade nele e de toda a casualty de um homem em luta contra uma situação e um sistema que já são por si uma verdadeira casualty.
Brian De Palma muda-se do seu registo habitual, mas não muda talento.
A realização é plena de estilo (as movimentações da câmara), ideias (o uso da profundidade de campo) e carregado em set pieces que arrasam com os nervos do espectador (o ataque inicial e o “aperto” do protagonista; o súbito ataque na aldeia; o rapto na aldeia; a violação da rapariga e o desespero do protagonista; a tentativa de fuga; o duelo na ponte em paralelo com o assassinato), nunca ignorando as emoções em cena.
O trabalho dos actores é puro ouro.
Don Harvey incomoda pela sua frieza assassina. John C. Reilly e John Leguizamo convencem pela sua falta de consistência moral.
Thuy Thu Le comove pela expressividade da sua inocência e suplício.
Sean Penn chega a ser repulsivo pela sua atitude, impressionando pela sua postura.
Michael J. Fox é bem expressivo pela sua entrega, dedicação e firmeza moral – veja-se a sua atitude para com a menina, o seu comportamento quando enfrenta os seus camaradas.
Os duelos entre ambos são acting em força bruta (vejam-se os olhares, os rostos, os tons das vozes).
Excelente fotografia.
Emotivo score de Ennio Morricone.
É um daqueles filmes que consegue mexer, abanar, abalar e incomodar todo o nosso sistema moral e fica connosco durante muito tempo.
Um dos melhores war films de sempre.
Possivelmente, o melhor filme sobre a guerra do Vietname.
Obrigatório.
“Casualties of War” tem edição portuguesa e anda a preço “caído”. A edição traz o Theatrical Cut e bons extras.
Recentemente, De Palma fez uma reedição do filme e lançou um Extended Cut. Algumas das cenas incorporadas fazem parte das “Deleted Scenes” dos extras da edição existente.
São cenas com o personagem de Fox, à volta dos duelos morais sobre a situação que ele quer criar.
O Cut resulta e ilustra ainda mais o que o filme é – o duelo de um homem, sozinho, em busca daquilo que ele considera como o correcto.
Quem já tem a edição anterior, vale a pena comprar o novo cut? Não. Basta ver as tais deleted scenes.
Quem não tem o filme, recomendo este novo cut.
O Extended Cut é inédito no nosso mercado, mas existe noutros, a bom preço.
Realizador: Brian De Palma
Argumentista: David Rabe, a partir do livro de Daniel Lang
Elenco: Michael J. Fox, Sean Penn, Don Harvey, John C. Reilly, John Leguizamo, Thuy Thu Le, Erik King, Jack Gwaltney, Ving Rhames, Dan Martin, Dale Dye
Theatrical Cut – 113 minutos
Extended Cut – 119 minutos
Trailer
Clips
O Main Theme de Ennio Morricone
Michael J. Fox sobre o filme
Brian De Palma sobre o filme
Orçamento – 22 milhões de Dólares
Bilheteira – 18 milhões de Dólares
Nomeado para “Melhor Música”, nos Globos de Ouro 1990. Perdeu para “The Little Mermaid”.
“Prémio Paz”, pela Political Film Society 1990.
Brian De Palma já tinha este projecto desde 1969, quando leu o artigo de Daniel Lang no “The New Yorker”. Dado que o conflito do Vietnam ainda estava a decorrer, o cineasta não conseguiu encontrar forma de fazer o filme. Com o sucesso de filmes que abordavam o conflito (“Platoon” em 1986, “Full Metal Jacket” em 1987) e com o sucesso que De Palma teve com “The Untouchables” (1987), o cineasta viu finalmente interesse na produção deste filme.
Em 1970 foi feita uma primeira tentativa de produção – Pete Hamill escreveu o argumento, mas foi rejeitado; a realização seria entregue a Jack Clayton.
O livro de Lang já tinha sido alvo de um documentário – “O.K.”, de 1970, realizado por Michael Verhoeven. De Palma viu o filme no Festival de Berlim desse ano. O filme causou tanta controvérsia, que foi retirado. De Palma nunca mais conseguiu localizar o filme.
O filme começou na Paramount Pictures, mas depois só obteria aprovação pela Columbia Pictures.
Stephen Baldwin tinha sido chamado para o personagem que seria entregue a John C. Reilly. Muitas cenas chegaram a ser filmadas com Baldwin. Depois seriam feitos reshots com Reilly.
É o primeiro filme de John C. Reilly e de John Leguizamo.
Dale Dye é um Marine retirado, já com vasta experiência em conflitos militares. É frequentemente usado como consultor em filmes de guerra – aconteceu com “Casualties of War”, mas também com “Platoon” (1986), “Born on the Fourth of July” (1989) e “Starship Troopers” (1997).
Filmado na Tailândia e em San Francisco.
A cena da ponte foi filmada na mesma estrutura onde se filmou “Bridge on the River Kwai” (1957). Fica na Tailândia e foi construída por prisioneiros de guerra do Japão, quando este tinha invadido a Tailândia.
Na cena onde a rapariga está ligeiramente despida, recorreu-se a uma body double. Na zona da Ásia onde o filme foi filmado não se pode mostrar nudez feminina de actrizes locais.
Muitos dos actores adoeceram devido à comida tailandesa.
Era a terceira iniciativa de Michael J. Fox no campo de um cinema mais dramático (Fox vinha de filmes ligeiros e virados para o entretenimento como “Back to the Future”, “Teenwolf”, “The Secret of My Success” e da popular série televisiva “Family Ties” – tudo no campo da comédia) – “Light of Day” e “Bright Lights, Big City” foram os filmes anteriores. Fox assumiu o risco e achava que tal seria importante para a sua carreira (teve razão – os três filmes registam três dos seus melhores trabalhos como actor).
Fox era sempre espezinhado por Sean Penn, pois este considerava Fox como um mero actor televisivo e incapaz de fazer algo num filme.
Fox oferecia prendas aos batedores que limpavam o set de cobras.
Segundo Leguizamo, nas cenas em que o seu personagem é esmocado pelo de Penn, este era mesmo real ao esmocar. A cena só ficou pronta ao fim de 14 takes.
Penn passou todo o tempo de filmagens a criar laços de good buddies com Reilly, Leguizamo e Don Harvey, sendo algo distante de Fox (que só tinha De Palma como good buddy). O filme consegue traduzir bem isso e tal até torna mais credível a tensão entre os personagens a partir de certo momento.
Penn, Reilly e Harvey reencontrar-se-iam em “The Thin Red Line” (1998).
Penn e Reilly reencontrar-se-iam “We’re No Angels” (1989).
Penn, Leguizamo e De Palma reencontrar-se-iam em “Carlito’s Way” (1993).
David Rabe não gostou do final que ele escreveu, mas De Palma insistiu que ele se mantivesse.
O filme foi atacado de forma hostil por associações de veteranos da guerra do Vietname.
De Palma convidou Steven Spielberg (ambos são grandes amigos) para um screening privado. Spielberg elogiou o filme e disse que seria algo para se falar durante muito tempo.
Quentin Tarantino considera “Casualties of War” como “o melhor filme sobre a guerra do Vietname”.
O filme baseia-se num evento verídico.
Sobre o evento:
https://www.newyorker.com/magazine/1969/10/18/casualties-of-war