Título original – Rambo: Last Blood
John Rambo regressa.
Naquela que pode ser a sua última missão.
Mas também a mas delicada – é em casa.
John Rambo regressou a casa (como se viu no final de “Rambo”).
A sua vida parece estar, finalmente, em paz e no conforto do seu lar e de uma família que ele acarinha como sua.
Mas tudo desmorona quando uma organização de tráfico de mulheres ataca uma familiar sua.
O veterano green beret vai transformar a sua casa num verdadeiro inferno para o inimigo.
No final de “Rambo” (2008), Rambo regressa a casa.
É um belo final, que tanto poderia ser final de círculo narrativo (tal permite que a saga termine como começa – Rambo num comeback home).
Mas também se podia ver como uma porta aberta para um “Rambo 5”, que mostraria Rambo de volta ao seu país e a casa. Desta forma, e rematando assim com “First Blood” (1982, o começo da saga, já aqui visto), poderia-se “usar” Rambo como um observador sobre um novo “estado das coisas” nos USA (o primeiro filme serviu para se ver como o país tratava, ainda, os veteranos do conflito militar no Vietname, mostrando um país que ainda não tinha sarado tamanha ferida).
11 anos passaram desde o episódio 4.
Ficamos a saber que Rambo ainda tem traumas, é voluntário para ajudar as autoridades de Protecção Civil em calamidades e no resgate de pessoas, cuida de cavalos no seu Arizona ranch, tem uma governanta que é quase uma mamã, a neta da senhora é quase uma filha para Johnny.
Esta intimidade e emotividade são novas na saga e muito interessantes. São mostradas de forma rápida (economia narrativa em força), mas nunca de forma banal.
É este teor emocional que faz do filme um episódio diferente dos anteriores, conseguindo-se assim marcar a diferença dentro da saga, à semelhança do que se conseguiu nos episódios 2 e 4 (só mesmo o episódio 3 soa a remake/repetição do 2).
Rambo é mostrado como um homem de guerra, cansado, envelhecido, com traumas não esquecidos, mas no calor de companhia humana que o ama e que ele retribui.
Mas a saga “Rambo” sempre deu privilégio à componente actioner.
“Rambo 5” mostra Rambo tornado em “Man on Fire” porque alguém foi “Taken”.
Não é apenas jogo de palavras ou de cinefilia.
Tal como o protagonista do (excelente) filme de Tony Scott, Rambo enfrenta mexicanos que lhe raptaram uma menina querida, que muito fez pelo coração e estado de alma do protagonista.
Tal como o protagonista na (trepidante) produção de Luc Besson, Rambo enfrenta uma tenebrosa organização criminosa que trafica mulheres.
Rambo, tal como John Creasy (Denzel Washington no filme de Scott) e Bryan Mills (Liam Neeson no filme de Besson), torna-se uma killing machine imparável e implacável contra os mauzões, movido pelo coração.
E é aqui que o filme revela as suas limitações e erros. Pequenos, não graves, mas que evitam que o filme fosse melhor.
Para além do déjà vu narrativo (mas isto pode-se aplicar a muito filme e série dos últimos largos anos), há um certo repetir de fórmula narrativa (que até traz algo do episódio anterior), traz um certo simplismo narrativo na concessão actioner (uma vertente que o filme tinha de ter) que poderia ser mais profunda e densa face à capacidade emocional que marca o primeiro terço do filme.
É esse simplismo que destoa do (bom) rumo dramático que até então se estava a seguir.
Por outro lado, há um desperdiçar de (boas) oportunidades:
- No momento em que Rambo se cruza com a jornalista, o filme perde a (boa) oportunidade de fazer “jornalismo” sobre um flagelo real (o tráfico sexual de mulheres é um terror actual e documentado, não é história exclusiva do actioner), o que poderia ser um retomar do realismo e pertinência humano-social que se viu em “Rambo 4”. Se Rambo já trazia uma causa emocional e familiar, juntava-se agora uma humanitária (em sintonia assim com o prólogo e toda a necessidade de Rambo em ser um boy scoutdos inocentes). Tal está presente, mas numa proporção muito inferior ao que poderia ser.
- Rambo regressa a casa. Se o filme original “usava” o personagem para fazer um olhar sobre os USA e uma outra guerra (civil) vivida no país, este capítulo final poderia ser um novo olhar sobre outras guerras que os States vivem na actualidade (os problemas no/com o México que o filme aborda poderiam também estar na agenda “analítica” do filme), voltando a ter Rambo como observador e “activista” tendo em conta a sua experiência. Nada disso é feito e toda a justificação acaba por ser algo rotineira de um actioner e indigna deste Last Blood face ao seu First.
Felizmente que quando Rambo decide contra-atacar, a action entra em ritmo non-stop, sendo viva, violenta, viciante, sem complacências.
Se a momentos vemos um Rambo já “idoso” (num momento, Rambo recebe uma carga de porrada que nos 80s era ele que a distribuía), o que é algo que reforça o lado mais realista do filme face ao personagem, quando este planeia e executa a sua vingança, o herói surge e afirma-se no seu esplendor clássico.
Todo o confronto final é um desfile de pirotecnia e violência, com Rambo a reservar surpresas e armadilhas muito bem urdidas. É uma set piece que é uma verdadeira parade de blood & guts (mutilações, decapitações, esquartejamentos e arrancar de corações – não é como o final de “Rambo 4”, mas quase), onde Rambo mostra a Rob Zombie como fazer uma nova “House of 1000 Corpses” ou como se fazer uma versão adulta R-Rated de “Home Alone” (que, “por acaso”, já anda planeada por aí).
Com “Rambo 2”, o herói ficou associado ao executivo americano de ideologia Republicana (era o auge da Era Reagan).
Este “Rambo 5” vai fazer as delícias de Donald Trump. Os mexicanos são mostrados como uns pandejos sacanóides, pelo que só temos vontade de nos juntarmos a Rambo e exterminá-los a todos (bom, os responsáveis pelos crimes cometidos).
Já sabemos que estamos em tempos de “politicamente (irritantemente) correcto”, pelo que nenhuma raça, etnia ou nacionalidade podem ser bad guys. Ou seja, não há bad guys no mundo. Azar do action cinema que deixa os seus action heroes com ninguém com quem se bater.
(deve ser essa a razão porque todo o menino moderno feito herói em Cinema é tão insípido e ridículo – long live the old action heroes)
É por aqui que muito se tem criticado este “Rambo 5” (que patético!!! -agora um filme é criticado por questões políticas fora do filme e não pelos seus méritos/desméritos cinematográficos).
Sim, este “Rambo 5” é para fãs da saga, do actioner (“idealista” ou não) em jeito old school, para quem quer apenas entretenimento simples e escapista.
Boa fotografia (um campo técnico onde a saga teve sempre qualidade), que tanto ilustra o calor e imensidão da paisagem do Arizona, como o degredo da low life do México.
Brian Tyler regressa (tinha composto um bom score para “Rambo”).
Cria um score escorreito, mas que soa a reciclagem do criado para “Rambo”. Para o que se acredita ser o filme final da saga, Tyler deveria ter-se empenhado mais e procurado fazer algo ao nível do que Jerry Goldmsith compôs para “First Blood”. O score de Tyler traduz bem o dinamismo actioner e violento da trama, mas faltou algo mais intimista e sentimental.
Adrian Grunberg confirma o jeito para o actioner, como se viu no divertido e incorrecto “Get the Gringo” (2012). Cria um filme “sujo” e “incorrecto”, divertindo-se com a gore fest. Infelizmente não vemos alguma da criatividade mostrada nessa pérola com Mel Gibson.
Sylvester Stallone nasceu para ser Rambo. Aqui volta a mostrar porquê. Sly sabe traduzir o peso da idade (e da vida) sobre o personagem, sabe transmitir a dor do herói e continua em grande como action hero.
Paz Vega, Yvette Monreal e Adriana Barraza criam boa empatia emocional com Sly. Paz está algo desperdiçada (o que se lamenta, pois a sua personagem também traz uma tragédia pessoal).
Óscar Jaenada e Sergio Peris-Mencheta conseguem ser odiosos como vilões. O filme empurra-os para os mexicanos mauzões típicos e a dupla mostra capacidade para uma relação mais complexa.
É O Adeus que Rambo merecia e que os fãs queriam? Não.
É Um Final correcto para Rambo e para a saga? Sim.
Termina-se com um encerrar de círculo de vida de Rambo, onde se ilustra a sua incapacidade de fuga à guerra, violência e morte; onde se mostra a sua impossibilidade de ter uma vida em paz, a presença de uma família e uma estadia num lar; onde se confirma a sua solidão, dor e raiva.
É um título mais emocional (embora com potencial para mais, houvesse uma melhor arrumação narrativa), que não descura o actioner.
E assim termina uma saga incontornável do Cinema e um personagem mítico do meio.
Recomendável.
“Rambo: Last Blood” já está nas nossas salas.
Notas:
- deixem-se estar na sala durante o genérico final, pois há um best of de momentos dos episódios anteriores.
- há um momento extra durante o genérico final (The End?), mas nada depois dele.
Realizador: Adrian Grunberg
Argumentistas: Matthew Cirulnick, Dan Gordon, Sylvester Stallone, baseado no personagem criado por David Morrell
Elenco: Sylvester Stallone, Paz Vega, Yvette Monreal, Óscar Jaenada, Adriana Barraza, Sergio Peris-Mencheta
Sites:
https://www.lionsgate.com/movies/rambo-last-blood
Orçamento – 50 milhões de Dólares
Bilheteira (até agora) – 40 milhões de Dólares (USA); 65 (mundial)
Muito complicada foi a preparação para este “Rambo 5”. Depois de “(John) Rambo” (2008), Stallone disse que achava que a saga estava concluída. Perante o sucesso do spin-off a Rocky Balboa na saga “Creed” (o segundo filme teve co-escrita de Stallone; já há “Creed III” em agenda), o estúdio pondera “Rambo 5”. Stallone hesita e lança várias possibilidades – uma série televisiva sobre a juventude de Rambo, um novo filme sobre a juventude de Rambo (que seria um reboot à saga) e depois um novo filme (o quinto da saga).
Para este novo filme, Stallone pondera duas histórias:
- uma sobre tráfico de mulheres na fronteira Texas-México.
- uma sobre a caça a uma criatura mortífera criada em laboratório.
Por acaso, ambas tinham sido ponderadas para “Rambo 4”.
A história-base para este “Rambo 5” já tinha sido ponderada para “Rambo 4” (o herói teria uma esposa e filha, com esta a ser raptada por um cartel mexicano de tráfico de mulheres). Tal ideia evoluiria para “Homefront” (2013, escrito por Stallone, com Jason Statham – um ex-operacional do DEA procura sossego numa pequena povoação, enfrentando um dealer local quando este persegue a filha do protagonista).
A certa altura, David Morrell (o criador literário de Rambo) e Stallone encontram-se para conversações sobre este novo filme e até chegam a delinear uma história. O argumento agrada a ambos e levaria a saga/Rambo para um rumo mais dramático, emotivo e humano, onde se faria um full circle ao herói – apesar desta índole narrativa, havia a promessa de boa action. O estúdio rejeita e pede algo mais actioner. É então que Stallone retoma a ideia da luta contra o cartel mexicano de rapto de mulheres.
Filmado na Bulgária, Ilhas Canárias e em Tenerife.
Portugal “participa” no filme – a divisão lusa da Nu Boyana é responsável por alguns dos efeitos visuais.
Pela primeira vez na saga, Rambo não tem cabelo cumprido nem usa a bandolete.
Portugal vê um cut mais longo (101 minutos) que o visto nos USA (89 minutos) – tudo devido à cena inicial.
Apesar do título, pode não ser o último filme da saga – Sly pondera mais um filme se “Rambo 5” for um sucesso; mas em 2018, Sly disse que este seria o último filme.
Sobre David Morrell:
https://www.goodreads.com/author/show/12535.David_Morrell
https://davidmorrell.net/books/
https://www.fantasticfiction.com/m/david-morrell/
https://rambo.fandom.com/wiki/David_Morrell
https://www.thriftbooks.com/a/david-morrell/218404/
https://crimereads.com/david-morrell-preparing-for-crisis-and-finding-inspiration/
[…] Last Blood” (já aqui visto) – feito em 2019, realizado por Adrian Grunberg, com Sylvester Stallone e Paz Vega; […]
Curioso é que ninguém refere a ausência da cicatriz na face que o Rambo recebe quando está a ser torturado no Vietname no “Rambo First Blood Part II”. E a título de curiosidade, este foi o primeiro filme em que a personagem usa a baínha da faca na perna esquerda. Todos os filmes anteriores usava na perna esquerda. Um filme feito descuidadamente apenas para dar uns trocos ao Sly. Apoiaram-se na nostalgia dos fãs. Este é um Rambo impostor. Um filme que podia ser com outra personagem qualquer. “Just a poor cash grab”.
Queria dizer que é o primeiro filme em que usa a baínha da faca na perna direita. Todos os filmes anteriores usava na perna esquerda. 🙂