Título original – Gone Baby Gone
Ben Affleck gosta de Dennis Lehane – recentemente realizou “Live by Night”, a partir de um romance dele. Foi o seu regresso ao universo literário do escritor.
Eis o (auspicioso) primeiro filme de Affleck como realizador, também oriundo de um romance de Lehane.
Um filme que até teve grandes paralelismos com uma (triste e lamentável) realidade portuguesa da época.
Na cidade de Boston, a polícia confronta-se com o caso difícil e comovente à volta do desaparecimento de de uma menina de 4 anos (“por acaso” muito parecida com Maddie McCann).
Um jovem mas determinado casal de detectives envolve-se de tal maneira no caso, que as consequências serão devastadoras para ambos – do ponto de vista profissional e pessoal.
E a solução do rapto ainda mais devastadora é.
Por vezes, ficção e realidade andam de mãos dadas e é difícil dizer quem imita quem.
“Gone Baby Gone” aspectos semelhantes ao “Caso Maddie”.
O filme marcou a estreia como realizador em longas-metragens de Ben Affleck, um actor que até então tinha revelado jeito mediano e por vezes medíocre.
Mas nada disso ocorreu aqui, com Affleck a revelar-se um talento a ter em conta.
Dennis Lehane estava a ser um filão muito explorado por Hollywood – Clint Eastwood tinha adaptado “Mystic River”, Martin Scorsese tratou de “Shutter Island”, já veio “The Drop”, Affleck faria este “Gone Baby Gone” e “Live by Night”, há planos para outros livros.
Muito do mediatismo que “Gone Baby Gone” recebeu passou pelas semelhanças (são algumas) com o “Caso Maddie” (a actriz que interpreta a menina desaparecida até tem semelhanças físicas com Maddie e o nome dela até é… Madeline).
Mas as semelhanças ficam-se por aí e deve-se ver o filme por aquilo que é e pelos seus (muitos) méritos.
“Gone Baby Gone” convida, sob a “máscara” de uma investigação sobre o desaparecimento de uma menina, à reflexão sobre o que é certo e errado quando se decide intervir em cenários alheios mas que aos nossos olhos nos parecem injustos.
A violência cometida na criança não está no seu “rapto”, mas no seu dia-a-dia, que leva a que a criança seja “raptada”.
O final é pleno de reviravoltas, que levarão o espectador a reflectir sobre as motivações e acções dos “raptores”, não deixando de questionar o protagonista na sua decisão (ou decisões, dado o seu “lapso” de consciência no final).
O protagonista e a sua companheira funcionam como os “árbitros” para a dualidade de valores que estão em causa nos acontecimentos.
O belíssimo plano final reflecte bem toda forte carga emocional do filme, os valores em causa e o conflito moral vigente(no protagonista e no espectador).
Não há regras para o certo e o errado, apenas as “ordens” da nossa consciência.
Ben Affleck sai-se muito bem nesta sua estreia como realizador em longas-metragens (ainda só tinha feito curtas), tão atento ao ritmo, tensão e mistério que trama exige, como ao retrato vivo, real e contrastado da comunidade de Boston onde tudo se passa, sem nunca descurar o lado humano e emocional que derivam dos acontecimentos. Por outro lado, mostra-se um óptimo director de actores.
É neles que reside grande parte da força do filme.
Casey Affleck (irmão de Ben e recentemente oscarizado) retrata muito bem a determinação e dilema do seu personagem.
Ed Harris compõe um personagem com aquela intensidade que só ele sabe.
O grande Morgan Freeman tem pouco tempo de antena, mas o seu personagem é (muito) importante na história.
Só é pena o pequeno desaproveitamento de Michelle Monaghan e do seu personagem – dá a sensação que Michelle está lá só para função decorativa (Michelle é muito esbelta e muito elegante, isso não há dúvida); o personagem merecia mais, pois é o contraponto emocional e moral do personagem de Affleck.
Grande revelação é Amy Ryan – atenção à forma como ela exprime as emoções da sua personagem.
Entretém como filme de género, mas convida a uma forte reflexão por parte de muitos de nós sobre o “estado das coisas” na sociedade actual e como mudar algum do mal que nos assola.
Foi um dos filmes mais imprescindíveis de 2008.
É, muito possivelmente, um futuro clássico.
Obrigatório.
“Gone Baby Gone” tem edição portuguesa e anda a preço fugidio para a prateleira do cinéfilo.
Realizador: Ben Affleck
Argumentistas: Ben Affleck, Aaron Stockard, a partir do romance de Dennis Lehane
Elenco: Casey Affleck, Michelle Monaghan, Morgan Freeman, Ed Harris, John Ashton, Amy Ryan, Amy Madigan
Site – http://www.miramax.com/movie/gone-baby-gone/
Orçamento – 19 milhões de Dólares
Bilheteira – 20 milhões de Dólares (USA); 34 (mundial)
Amy Ryan esteve nomeada para “Melhor Actriz Secundária”, nos Oscars 2008. Perdeu para Tilda Swinton em “Michael Clayton”.
“Top 10 do Ano”, pelos Críticos Afro-Americanos 2007.
“Melhor Actriz Secundária” (Amy Ryan), “Melhor Primeiro Filme”, pelos Críticos de Boston 2007.
“Realizador Promissor”, pelos Críticos de Chicago 2007.
“Melhor Actriz Secundária” (Amy Ryan), pelos Críticos da Florida 2007, Houston 2008, Iowa 2008, Los Angeles 2007, National Board of Review 2007, Nova Iorque 2007, Oklahoma 2007, Phoenix 2007, San Diego 2007, San Francisco 2007, St. Louis 2007, Utah 2007, Washington 2007.
“Gone Baby Gone” é o livro preferido de Ben Affleck.
Segundo Affleck, se o filme fosse rigorosamente segundo o livro, o filme teria 7 horas de duração.
É o primeiro argumento de Affleck desde “Good Will Hunting” (1997, escrito em parceria com o amigo Matt Damon – ambos ganhariam o Oscar para “Melhor Argumento Original”).
Affleck gostou do dilema moral que a história propõe e pretendia que o espectador reflectisse sobre tal depois do filme.
Affleck ponderou protagonizar o filme. Mas depois preferiu ceder tal função ao irmão Casey.
Muitas das pessoas que se vêem no filme são habitantes de Boston. Affleck quis que o filme tivesse essa autenticidade.
Ed Harris e Amy Madigan são marido e mulher na vida real.
O filme viu a sua estreia adiada no Reino Unido devido às semelhanças com o caso Madeleine McCann.
Em Portugal, Dennis Lehane tem grande parte da sua obra editada.
Sobre Dennis Lehane:
https://www.goodreads.com/author/show/10289.Dennis_Lehane