Título original – Harper
Ross MacDonald é um dos grandes Mestres da literatura Hardboiled Noir.
Muitos vêem o triângulo essencial do género composto por ele, Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Muitos vêem em MacDonald o herdeiro de Chandler (embora este nunca tenha gostado da ideia).
Lew Archer é a sua grande criação. Archer é um detective jovem, energético, idealista, mas de olhar crítico e moral sobre o mundo.
O Cinema nunca o poderia ignorar.
Os 60s fazem (e bem) uma reformulação e modernização dos códigos do Noir.
Archer era perfeito para tal.
Lew Harper, detective privado em fase de divórcio, é contratado por uma milionária, com a missão de localizar o seu marido desaparecido.
Harper vai-se meter numa enorme trapalhada, de interesses de família e de outra índole. Até que começam a surgir cadáveres.
Harper e a sua cliente:
– A drink, Mr. Harper?
– Not before lunch, thank you.
– I thought you were a detective.
– New type.
Este momento de conversa é ilustrativo de Harper – o detective e o filme.
Estamos perante uma modernização, estilizada, elegante e cheia de coolness, dos arquétipos do Detective Noir.
Lew Harper é mais cool, descontraído, divertido, irreverente e com paixão pela vida (e o lado divertido dela) do que muitos dos private eyes anteriores. E não deixa de levar o seu trabalho a sério e ter valores morais e de integridade.
Está lá a boa essência narrativa clássica do género (protagonista desencantado, cínico, íntegro, rebelde, mas pleno de valores; a high society rica em podridão moral; a low-life cheia de esquemas baratos e sórdidos; a incompetência das autoridades; a intriga labiríntica), agora adaptada à mentalidade, vivência e estética dos 60s.
A modernização funciona, pois estamos em espaços e ambientes da época moderna muito bem ilustrados, sentidos e vividos, mas com valores, atitudes e diálogos como se estivéssemos nos 40s.
O mistério é confuso, cheio de meandros, a quantidade de personagens é grande e variada, sendo todos relevantes.
Não faltam surpresas e reviravoltas, mesmo até à cena final.
Fugindo um pouco às regras, o protagonista tem uma complicada vida sentimental/matrimonial – ainda casado, está em fase de divórcio, mas sem pressas, mostrando que ainda nutre algo pela esposa.
Este elemento dá outra riqueza emocional à narrativa e ao personagem, trazendo algo de novo (quase sempre, o Private Eye é solteiro, mulherengo e em busca de mais uma conquista), mostrando Harper como um personagem “desequilibrado” – seguro na sua atitude profissional, mas debilitado na sua vida pessoal (a cena inicial é um modelo de como se apresentar e definir um personagem – de ressaca, a curá-la de forma expedita; a forma como desenrasca a falta de café fresco).
Excelente fotografia (do grande Conrad Hall), que tanto transmite a palette de cores dos 60s, como capta bem a palette de cores de Verão da Califórnia e a beleza das pessoas, com sabe respeitar as regras da fotografia do film noir 40s (o uso das sombras em momentos-chave – a aproximação da ameaça com a arma, o casal a caminho da cama, a noite, os interiores dos bares e das casas).
Jack Smight dirige com estilo e ritmo, equilibrando o modernismo e o clássico.
Respeita as matrizes do detective noir clássico, mas sabe adaptá-lo aos 60s – tanto do género (e Harper é uma criação, na sua origem literária, que passa pelos 60s), da sociedade (aqui moviam-se outros interesses que os dos 40s), como da estética cinematográfica (o exercício de mimetismo 40s era um risco, pelo que foi mais acertado focar a época actual).
Paul Newman nasceu para interpretar Lew Harper, tal é a forma descontraída, divertida e segura com que o actor se entrega. Newman sabe enfatizar bem esse new type de private eye que Harper simboliza, dando-lhe juventude, energia, boa disposição, sex-appeal e virilidade. É uma das suas grandes composições.
Boa prestação do restante elenco.
Um Neo-Noir absolutamente referencial e influente.
Um clássico.
Obrigatório.
“Harper” não tem edição portuguesa, mas existe noutros mercados, a bom preço.
Realizador: Jack Smight
Argumentista: William Goldman, a partir do romance de Ross MacDonald (“The Moving Target”)
Elenco: Paul Newman, Lauren Bacall, Julie Harris, Arthur Hill, Janet Leigh, Pamela Tiffin, Robert Wagner, Robert Webber, Shelley Winters, Roy Jenson, Strother Martin
Trailer
Orçamento – 3.5 milhões de Dólares
Bilheteira – 12 milhões de Dólares
Mercado doméstico – 5.3 milhões de Dólares
“Melhor Filme”, nos Edgar Allan Poe 1967.
Nomeado nos Laurel 1966 – “Action Drama” (perdeu para – “007–Thunderball”), “Action Performance” (Paul Newman perdeu para Sean Connery em “007–Thunderball”).
Nomeado para “Best Written American Drama”, pelo Writers Guild of America 1967. Perdeu para “Who’s Afraid of Virginia Woolf?”.
William Goldman tinha escrito um romance intitulado “Boys and Girls Together” e vendeu os direitos cinematográficos ao produtor Elliot Kastner. Kastner queria fazer um filme com “balls”. Grande fã da obra de Ross MacDonald, Goldman sugeriu os romances protagonizados por Lew Archer. Kastner gostou da ideia.
Goldman disse uma vez que a cena inicial foi a que lhe deu a entender que seria um bom argumentista – a forma como Harper é apresentado e como se gera empatia por parte do público. Curiosamente, foi a última cena que Goldman escreveu no argumento.
É o primeiro argumento de Goldman.
O argumento inicial tinha o título de “Archer”.
Nos livros, o protagonista é Lew Archer. No filme, é Lew Harper.
Apontam-se duas razões para tal:
- Paul Newman – o actor vinha de dois sucessos, que foram “The Hustler” (1961) e “Hud” (1963), pelo que Newman achava que a letra H lhe dava sorte.
- Direitos – pelos vistos os produtores tinham direitos sobre o romance de MacDonald, mas não tinham direitos sobre Lew Archer, pelo que não podiam usar o nome.
Frank Sinatra foi a primeira escolha para Harper, mas recusou. Sinatra teria depois o seu private eye com os dois episódios de “Tony Rome” – “Tony Rome” (1967) e “Lady in Cement” (1968).
Primeira de duas colaborações entre Paul Newman e Jack Smight – depois viria “The Secret War of Harry Frigg” (1968).
Pode-se ver uma subtil referência a “The Big Sleep” (1946, de Howard Hawks, com Humphrey Bogart & Lauren Bacall; o filme adapta um romance de Raymond Chandler, protagonizado por Philip Marlowe) – a presença de Lauren Bacall; tal como o cliente de Marlowe, a cliente de Harper está numa cadeira de rodas; tal como a personagem de Bacall no filme de Hawks, a sua personagem neste novo filme também procura o marido desaparecido.
O carro de Harper é um Porsche 356 A Speedster.
Parte da cena inicial (quando Harper mergulha a cabeça num lavatório com gelo) foi repetida por Newman em “The Sting” (1973, com Robert Redford e Robert Shaw). Newman disse que tal acto era rotina na sua vida.
Dado o (enorme) sucesso do filme, Newman ficou muito bem estabelecido como movie star.
Goldman adaptaria um outro romance de MacDonald, também protagonizado por Archer (“The Chill”). Newman mostrou-se interessado e até Sam Peckinpah foi chamado, mas o projecto nunca avançou.
O filme teria uma sequela (já aqui vista) – “The Drowning Pool” (1975, de Stuart Rosenberg, com Newman e Joanne Woodward – a sua esposa).
Newman queria fazer um terceiro filme, a partir do romance “The Instant Enemy,” mas tal nunca aconteceu.
“The Moving Target” – é o título do livro e o título que o filme recebeu no Reino Unido.
Há uns tempos, surgiu a notícia que Lew Archer pode ser alvo de numa nova adaptação. O romance será “Black Money”. Os interessados são os Irmãos Coen. Não há nomes falados como protagonista e poucas mais novidades surgiram.
Muita da obra de Ross MacDonald está editada em Portugal, pela Europa-América, na velhinha colecção “Clube do Crime”. Já é uma raridade nas livrarias. Os livros têm edições noutros países.
Sobre Ross MacDonald:
https://www.goodreads.com/author/show/70090.Ross_Macdonald
http://www.nytimes.com/books/first/n/nolan-macdonald.html
https://www.loa.org/writers/272-ross-macdonald
http://www.thrillingdetective.com/trivia/kenmillar.html
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