Título original – The Long Goodbye
Os 70s já não eram a década adequada para o Film Noir. Mas ainda se conseguiram fazer alguns bons exercícios revivalistas e nostálgicos (“Farewell My Lovely”, “Chinatown”).
Raymond Chandler e Philip Marlowe ainda tinham material para adaptar. Faltava a obra-prima de ambos – “The Long Goodbye”.
Aqui vem a adaptação cinematográfica.
Traz Leigh Brackett no argumento (também assinou o de “The Big Sleep”).
Realiza o mais inesperado dos realizadores para o Detective Noir – Robert Altman.
A interpretar Marlowe, um susto maior – Elliott Gould.
Será um (Long) Goodbye ao Film Noir?
Philip Marlowe, detective privado, é chamado pelo seu amigo Terry Lennox para o ajudar numa trapalhada. Marlowe ajuda e descobre depois que Terry está acusado de um homicídio.
Crente no seu amigo, Marlowe investiga e procura a verdade. Descobre uma bem negra, que o levará aos limites da lealdade e amizade.
As taglines dos posters dizem “Nothing says goodbye like a bullet” e “I have two friends in the world. One is a cat. The other is a murderer“.
De facto, “The Long Goodbye” é sobre o adeus definitivo dado a alguém (e a forma como é feito) e sobre o valor da amizade (ainda mais quando traída).
A narrativa insere-se no modelo clássico de Detective Noir, estão lá os arquétipos do género (agora adaptados à sociedade e metrópoles dos 70s) e respeita-se toda a matriz moral da obra de Chandler.
Mas numa leitura mais profunda, “The Long Goodbye” é um drama.
Um drama sobre um homem, de valores clássicos, que descobre que não são compatíveis com a moral dos tempos modernos (são sempre divertidos os momentos de Marlowe com as vizinhas hippie, mas traduzem o “confronto” – elas nada sabem sobre ele mas pedem-lhe sempre favores, ele limita-se a olhar para elas e seguir em frente numa de “it`s fine by me”).
Um drama sobre a podridão da high society californiana (os romances de Chandler movem-se no campo do Detective Noir, mas são ferozes críticas e análises sociais).
Um drama sobre a amizade, a lealdade e a traição. Drama esse que cai em dose dupla e, ironicamente, contrastada – Marlowe trai quem lhe é fiel (o gato, que não é devidamente alimentado), Marlowe é traído por aquele a quem ele é fiel (Lennox, que usa a amizade do detective), Marlowe é enganado por quem estava a iniciar confiança (Eileen Wade).
A trama envolve pela densidade emocional dos personagens em cena, há boa conversa (Marlowe e Roger Wade), mistério, crimes, mortes, surpresas e reviravoltas.
Há lugar para o humor (as atitudes de Marlowe face à Polícia, o gangster possessivo, as vizinhas de Marlowe).
Há uma brincadeira à old Hollywood (o porteiro que imita actores clássicos).
Há lugar para estilismo – a fotografia, plena de luminosidade e com tons pastel.
Não é o Detective Noir no seu estado puro ou habitual (aí, veja-se “The Big Sleep”, o de 1946, como é óbvio – o Detective Noir definitivo e supremo; a melhor adaptação de Chandler/Marlowe ao Cinema), não é um exercício de nostalgia (isso viria com “Farewell, My Lovely”, em 1975 – para Chandler/Marlowe; ou “Harper” e “Chinatown”, em 1966 e 1974 – para com o género).
“The Long Goodbye” é uma reinvenção de Chandler/Marlowe para os 70s, confrontando um personagem de ética 40s à decadência 70s.
Por isso, é compreensível o cepticismo às presenças de Robert Altman e Elliott Gould.
Confesso que mal soube do filme e dos nomes envolvidos, quase que vomitava.
A minha relutância ao ver o filme era grande.
Sim, percebe-se que Altman não é Howard Hawks nem realizador para o Film Noir.
Sim, Elliott Gould é um canastrão que faz de Marlowe um dandy sempre ganzado e perdido, permanentemente otário e manipulado (longe da essência do Private Eye e de Philip Marlowe criada por Humphrey Bogart, ou mesmo Dick Powell).
Mas em sucessivas visões, percebe-se o twist que Brackett, Altman e Gould querem fazer.
Brackett percebe que os glory days do género acabaram e que não pode fazer/escrever um novo “The Big Sleep”.
Altman procura fazer um olhar humano e social, deixando o protagonismo num detective old school vindo dos old days.
Gould procura fazer de Marlowe um homem clássico, mas que se vê perdido neste “mundo novo”.
Sim, “The Long Goodbye” estranha-se mas depois entranha-se.
Sim, Altman não é Hawks e nunca conseguirá aquele nível de style que o autor de “Rio Bravo” dava aos seus filmes. Mas não se pode negar um bom nível de realismo e tom de crónica urbana e social.
Sim, Gould nem às solas de Bogey chega, mas consegue transmitir as emoções e dilemas de Marlowe.
Boa prestação do restante elenco (Sterling Hayden é intenso na sua tragédia existencial; Nina van Pallandt é comovente, glamorosa e manipuladora).
“The Long Goodbye” é um filme mais complexo que o “vulgar” Detective Noir (e o livro de Chandler também o é). E é essa riqueza que se descobre em (re)visões sucessivas, que permitem a devida (re)valorização do filme.
E o filme merece-a, acreditem.
Final (algo inesperado) de grande impacto (moral), mas em plena sintonia com os valores (morais) de Marlowe.
Uma profunda, estranha, difícil e fascinante modernização e reinvenção do Detective Noir, de Raymond Chandler e de Philip Marlowe.
Obrigatório.
“The Long Goodbye” não tem edição portuguesa. Existe noutros mercados, a bom preço.
Realizador: Robert Altman
Argumentista: Leigh Brackett, a partir do romance de Raymond Chandler (“The Long Goodbye”)
Elenco: Elliott Gould, Nina van Pallandt, Sterling Hayden, Mark Rydell, Henry Gibson, David Arkin, Jim Bouton
Trailer
Orçamento – 1.7 milhões de Dólares
Bilheteira – 959.000 Dólares
“Melhor Fotografia”, pelo National Society of Film Critics 1974.
Concorreu à “Concha de Ouro”, em San Sebastián 1973.
Leigh Brackett viu-se obrigada a ser mais concisa na adaptação, dada a dimensão do livro (é o mais longo de Chandler).
O romance de Chandler passa-se nos 50s. O filme passa-se nos 70s. Mesmo assim, o carro de Marlowe é dos 40s.
O final do filme é diferente do existente no livro.
O filme foi oferecido a Howard Hawks (que já tinha adaptado “The Big Sleep”, em 1946, com escrita de Brackett) e a Peter Bogdanovich. Ambos recusaram. Bogdanovich recomendou Robert Altman. Altman recusou. Brian G. Hutton foi sondado, mas recusou. Altman mudaria de ideias ao saber que Elliott Gould ia ser o protagonista.
Altman gostou do argumento e ainda mais do final. Altman obrigou mesmo, por contrato, que o final nunca seria alterado.
Gould já não trabalhava há dois anos. O actor tinha ficado com má reputação devido a mau comportamento no set de “A Glimpse of Tiger” (que depois daria origem a “What´s Up, Doc?, 1972, de Peter Bogdanovitch). Foi Altman que exigiu que Gould fosse o protagonista.
Brackett nunca ficou muito contente com a ideia de Gould ser Marlowe.
Altman e Brackett passaram muito tempo na revisão do argumento. Altman queria que Marlowe fosse um loser.
Os produtores ponderaram Lee Marvin ou Robert Mitchum como Philip Marlowe. Mitchum seria Marlowe anos depois, em dois filmes – “Farewell, My Lovely” (1975) e “The Big Sleep” (1978).
Dan Blocker ia participar. Blocker e Altman já se conheciam desde os tempos de “Bonanza” (Altman tinha realizado vários episódios). Blocker faleceu dias antes do começo das filmagens. Sterling Hayden substituiu-o. O filme é dedicado a Blocker.
Gould diz que continua a sonhar em voltar a interpretar Marlowe, enquanto tiver cabeça e corpo saudável para tal. Gould diz que até tem já um argumento entre mãos (“It’s Always Now”), vindo de uma curta história de Raymond Chandler (“The Curtain”). Os herdeiros de Chandler venderam os direitos a Gould por 1 Dólar.
Vilmos Zsigmond usou um sistema de exposição adicional da película à luz, criando um efeito de pastel.
Altman queria que o filme tivesse um look a evocar a Califórnia dos 40s.
Altman queria que a câmara nunca parasse de se mover, dando assim ao espectador a sensação de voyeur.
Hayden escreveu todas as suas cenas.
Segundo Brackett e Altman, a conversa entre Hayden e Gould foi totalmente improvisada.
Mark Rydell já era realizador e com este filme regressou à interpretação, após uma pausa de 10 anos.
O carro de Marlowe é um Lincoln Continental Convertible 1948. O carro era de Gould.
Um quadro com o rosto de Leonard Cohen é visível na cena em que Marlowe e Eileen jantam em casa. Altman era grande fã de Cohen e até chegou a usar duas canções dele num filme seu – “McCabe and Mrs. Miller” (1971).
A casa do personagem de Hayden é a casa de Altman, na época.
Gould improvisou na cena em que pinta o rosto e canta, na esquadra da Polícia.
Num momento, Marlowe chama a uma cadela o nome de Asta. Asta era a cadela da dupla de detectives Nick & Nora Charles, criados por Dashiell Hammett, o principal “rival” de Chandler.
Iria haver uma cena com Steve McQueen a interpretar Sam Spade (um “rival” de Marlowe, criado por Hammett, o “rival” de Chandler).
Primeiro filme americano de Nina van Pallandt.
Terry Lennox é interpretado por Jim Bouton, ex-jogador de baseball.
Cameo de David Carradine – o presidiário, na cela com Marlowe.
Arnold Schwarzenegger participa (é um dos guardiões do gangster), mas com o nome de Arnold Strong. Arnold não fala na cena em que participa.
Robert Altman é visto no filme – é o homem a falar no walkie-talkie no banco da frente da ambulância.
Um dos cinco filmes que Elliott Gould fez com Robert Altman – “M.A.S.H.” (1970), “The Long Goodbye” (1973), “California Split” (1974), “Nashville” (1975), “The Player” (1992).
Primeira produção de Elliott Kastner numa adaptação cinematográfica de um romance de Raymond Chandler, protagonizada por Philip Marlowe – a outra foi “Farewell, My Lovely” (1975), de Dick Richards, com Robert Mitchum.
É um de vários filmes que se fizeram nos 70s, a recuperar, homenagear ou modernizar a imagem de Philip Marlowe – “Marlowe” (1969, com James Garner), “The Long Goodbye” (1973, com Elliott Gould), “Farewell, My Lovely” (1975, com Robert Mitchum), “The Big Sleep” (1978, com Robert Mitchum).
Altman não poupou elogios à interpretação de Hayden.
Os posters promocionais usados em L.A. foram considerados como mais adaptados às sagas James Bond e Flint. Um outro tipo de poster foi usado em Nova Iorque. A carreira comercial do filme foi fraca em L.A. e mais bem-sucedida em Nova Iorque.
O filme teve reacções muito frias por parte da crítica e do público. Muitos queriam que o filme fosse um Film Noir mais puro e até houve quem fizesse comparações entre Gould e Bogart na interpretação de Marlowe.
Está nos “1001 Movies You Must See Before You Die”, de Steven Schneider.
Está nos “Great Movies” de Roger Ebert.
Sobre os actores que interpretaram Philip Marlowe:
Raymond Chandler tem muitos dos seus romances editados em Portugal.
Aconteceu na “Colecção Vampiro” dos Livros do Brasil. Em formato de bolso (na colecção generalista) e depois em formato gigante (na colecção dedicada). Estas edições são uma raridade e só em alfarrabistas é que se podem encontrar.
Recentemente foi feita uma tentativa (bem tímida) de voltar a haver Chandler no nosso mercado livreiro. A Contraponto editou dois romances (“The Big Sleep” e “Lady in the Lake”), a Presença editou um (“The Long Goodbye”). E nada mais há e nada mais se sabe sobre continuidade de edições.
Sobre Raymond Chandler:
https://www.britannica.com/biography/Raymond-Chandler
https://www.biography.com/people/raymond-chandler-9244073
https://www.esquire.com/uk/culture/news/a6742/raymond-chandler-quotes/
https://www.brainpickings.org/2013/05/08/raymond-chandler-on-writing/
https://www.livrosdobrasil.pt/autor/raymond-chandler
http://www.detnovel.com/chandler.html
https://www.goodreads.com/author/show/1377.Raymond_Chandler
http://www.thrillingdetective.com/trivia/chandler.html