Título original – The 39 Steps
É o título que pôs Hitchcock no mapa, o título que definiu a sua imagem de Master of Suspense (e, como se vê neste filme, também um Master of Action), o título que bem pode reclamar para si a paternidade do moderno actioner e filme inserido no denominado “escapist entertainment”.
Richard Hannay é um canadiano a viver em Londres.
Uma noite, ao assistir a um espectáculo teatral, é abordado por uma misteriosa mulher que lhe pede ajuda para fugir a uns perseguidores, revelando-lhe uma enorme conspiração.
Mas a mulher morre e Hannay é logo visto como culpado.
Em fuga, Hannay procura provar a sua inocência e descobrir o que são os “39 Degraus”.
Hitchcock faz um autêntico tratado e manual de acção, que se torna referencial – ritmo imparável, incontáveis peripécias, equilíbrio perfeito entre acção, humor, intriga, suspense e romance, personagens carismáticos (nos bons e nos maus), química sexual no par protagonista e o efeito MacGuffin.
Tudo embrulhado numa mise en scène rigorosa, elegante, criativa, sempre atenta ao detalhe.
Tantas vezes se fala em Hitchcock como The Master of Suspense.
“The 39 Steps” mostra que ele também é um Master of Action (também se pode verificar tal em “The Lady Vanishes”, “Foreign Correspondent”, “Saboteur”, “To Catch a Thief”, “North by Northwest”, “Torn Curtain”) – o filme cria um ritmo e um conjunto de peripécias que são autênticos antepassados do que hoje se faz no melhor do action thriller – ao fim de 15 minutos já há peripécias.
Mas “The 39 Steps” não é apenas um action thriller de boa colheita.
É um (puro) Hitchcock Film.
Fiel ao seu estilo, não faltam muitos dos seus habituais elementos:
- Ironia (o protagonista consegue uma ajuda através de uma mentira e não pela verdade).
- Tensão (o medo do protagonista face aos olhares dos dois homens que lêem o jornal, onde se aborda o crime de que o protagonista foge e é suspeito).
- Humor (o equilibrismo do empregado do comboio perante a perseguição; a fuga do par, algemados).
- Acção que tem momentos de morceau de bravoure (a fuga no comboio e na ponte; a perseguição na planície e no vale).
- Desespero (quando o protagonista descobre o vilão e se sente encurralado).
- Ambiguidade (a troca de olhares entre marido e esposa, quando esta percebe tudo sobre o protagonista).
- O charme (o vilão é erudito e bem visto na comunidade).
- A dimensão humana (a quantidade de pessoas que o protagonista conhece na festa).
- Inesperado (a atitude do protagonista no discurso).
- Ilustração visual (o isolamento do protagonista na sala, com o vilão e convidados, através de um engenhoso e elegante movimento de câmara).
- Avant-garde de índole sexual (o protagonista é solicitado por uma mulher desconhecida para ir para casa dele).
- Discreta sexualidade (o retirar das meias da Madame, de “mão dada” ao protagonista).
- O factor informação (o espectador sabe tanto como o protagonista – ou seja, praticamente nada -; com a informação a evoluir à medida do desenrolar dos eventos).
- O efeito MacGuffin – nunca se percebe que o significa “The 39 Steps”, o que querem e o que procuram; mas é tudo isso e o (total) desconhecimento de tal que motiva tanto evento e faz correr o(s) protagonista(s).
Como sempre, a direcção de actores é puro ouro.
Robert Donat é simplesmente esplêndido, como um homem que nada sabe e tudo procura saber, estando sempre em fuga, encurralado, perseguido e sempre capaz da solução mais engenhosa.
Madeleine Carroll é encantadora, como uma mulher céptica, fria, relutante, combativa, para depois ser leal, aliada e dedicada.
Um must absoluto – dentro do género, do Cinema e do Cinema de Hitchcock.
Obra-prima total.
Obrigatório.
“The 39 Steps” tem edição portuguesa, a bom preço. Outros mercados têm melhores edições (extras bem cinéfilos), a bom preço também.
Realizador: Alfred Hitchcock
Argumentistas: Charles Bennett, Ian Hay, a partir do romance de John Buchan
Elenco: Robert Donat, Madeleine Carroll, Lucie Mannheim, Godfrey Tearle, Peggy Ashcroft, John Laurie, Helen Haye
Trailer
Filme
Alfred Hitchcock esteve nomeado para “Melhor Realizador”, pelos críticos de Nova Iorque 1936, mas perdeu para John Ford em “The Informer”.
“OFTA Film Hall of Fame”, pela Online Film & Television Association 2010.
O livre faz uma adaptação muito livre do romance da John Buchan (praticamente só usa a ideia-base; no livro o protagonista é sul-africano, não há personagem feminina, não há “Mr. Memory”, o significado de “The 39 Steps” é diferente), mas o escritor adorou o filme.
Antes de filmar uma cena crucial, Hitchcock algemou Robert Donat e Madeleine Carroll, e fingiu ter perdido a chave das algemas. O cineasta queria que os actores tivessem o state of mind necessário.
Carroll queixou-se das atitudes de Hitchcock na procura de autenticidade nas cenas com algemas.
As 62 ovelhas usadas numa cena comeram toda a vegetação que estava no set.
Carroll e Donat só se conheceram no primeiro dia de filmagens.
Peggy Ashcroft adorou a experiência de trabalhar com Hitchcock.
Já era o 22º filme de Hitchcock.
O filme custou 60.000 Libras. O estúdio produtor (Gaumont-British) investiu fortemente na carreira do filme nos USA.
Cameo de Hitchcock – em frente ao autocarro, quando Hannay e a mulher fogem do teatro.
O filme aborda temas dos habituais action thrillers de Hitchcock – o falso culpado, o MacGuffin, a loira fatal, fria e sensual.
O filme caiu muito depressa no domínio público, pelo que surgiram muitas cópias de má qualidade.
Hitchcock sempre considerou “The 39 Steps “ como um dos seus filmes preferidos.
Está nos “1001 Movies You Must See Before You Die”, de Steven Schneider.
O “British Film Institute” considerou “The 39 Steps” como o “4º Melhor Filme Britânico do Século XX”.
A “Total Film” considerou “The 39 Steps” como o “21º Melhor Filme Britânico de Sempre”, bem como a “2ª Melhor Adaptação Cinematográfica de um Filme”.
A “Time Out” considerou “The 39 Steps” como o “13º Melhor Filme Britânico de Sempre”.
“The Examiner” elegeu “The 39 Steps” como o “Melhor Filme Britânico de 1935”.
Orson Welles considerou “The 39 Steps” como uma obra-prima de Cinema. Welles faria uma versão radiofónica em 1939, pelo The Mercury Theatre on the Air.
Robert Towne considera “The 39 Steps” como o pai do moderno entretenimento cinematográfico.
O “Lux Radio Theater” faria uma versão radiofónica, de 60 minutos, em Dezembro de 1937. Robert Montgomery e Ida Lupino davam vozes aos protagonistas.
Herbert Marshall (que já tinha trabalhado com Hitchcock – “Murder!”, “Foreign Correspondent”) seria o protagonista de uma versão radiofónica, em Março de 1952.
Em 2005, surgiria uma comédia teatral, seguindo o argumento do filme de Hitchcock. Essa versão já teve versão portuguesa.
O filme seria alvo de vários remakes:
- Em 1959, de Ralph Thomas, com Kenneth More (versão a cores, quase shot-per-shot do filme de Hitchcock, de argumento igual).
- Em 1978, de Don Sharp, com Robert Powell (adaptação mais fiel ao livro).
- Em 2008, pela BBC, com Rupert Penry-Jones.
O romance de John Buchan teve edição em Portugal.
Em 2011 foi anunciado um (novo) remake (o filme já tem três). Robert Towne (“Chinatown”) seria o argumentista.
Sobre John Buchan:
https://www.goodreads.com/author/show/3073.John_Buchan
http://www.bbc.co.uk/programmes/profiles/2lWTsMM9FyLFMSTgCtrl91k/john-buchan