“Blade Runner” (já aqui visto) é um dos filmes mais…
(pois, esgotam-se ou faltam os adjectivos adequados)
Título de culto absoluto e de total devoção, o filme é também uma obra-prima de Cinema e um dos títulos mais venerados, aclamados e influentes de sempre.
A estreia não correu pelo melhor (foi um flop), mas o tempo foi-lhe (muito) generoso.
Ridley Scott sempre procurou fazer uma continuação.
Ei-la.
Los Angeles, 2049.
Um jovem Blade Runner descobre um mistério já longo no tempo.
Um mistério que o leva até um antigo (e mítico) Blade Runner – Rick Deckard.
Mas qual a relação?
Passaram-se 35 anos sobre “Blade Runner”.
“Blade Runner 2049” considera que só foram 30.
Valeu a pena esperar?
Vale a pena ver o filme?
Está ao nível do original?
Responde a perguntas perdidas do original?
Vai alcançar o mesmo estatuto do original?
Indo por ordem – Sim (pena que tenham sido 35 anos); Sim, muito (tal como o original, é uma experiência sensorial total); Perfeitamente; Mais ou menos (cabe a cada um decidir); o tempo dirá (mas tem argumentos para tal).
“Blade Runner” deixou um marco no género, na década de 80 e em todo o Cinema.
A fasquia é muito elevada.
São compreensíveis os receios de muitos, perante esta sequela.
Nada a temer.
Em primeiro lugar, porque está muito bem entregue.
Ridley Scott participa como executive producer e encarrega-se que nada fuja às matrizes (visuais e narrativas) do seu filme.
Denis Villeneuve já deu provas que trabalha qualquer género, sabe dar cérebro às suas narrativas (muitos dos seus filmes deixam muitas considerações e reflexões no espectador), dirige bem os actores e filma bem.
No campo visual temos veteranos sábios como Roger Deakins (fotografia) e Dennis Gassner (cenografia).
A música traz Hans Zimmer.
Harrison Ford regressa. Ao seu lado está um competente grupo de actores.
Portanto, há bons ingredientes.
E o resultado?
“Blade Runner 2049” é todo ele um mistério.
É um dos poucos filmes onde pouco ou nada se pode falar sobre soluções visuais e narrativas pois correm-se muitos riscos de fazer spoiler.
Mas há coisas que se podem dizer e falar.
O filme consegue funcionar de forma autónoma.
Há uma ilustração de um novo mundo (ainda mais feio, sujo e pessimista que o anterior), há novos personagens (com as suas agendas, dúvidas, atitudes e moralidades), há novos eventos.
A big surprise é a forma como o mistério que o protagonista procura resolver se liga com eventos e personagens do filme original.
(é magnífica a forma, bem engenhosa, como as diversas pistas e verdades que o protagonista vai descobrindo se relacionam com o filme anterior, despertando sempre um sorriso no espectador perante a activação da memória dos respectivos contextos com o filme de 1982)
Mestria total no argumento é o facto da fluidez da informação estar sempre ao mesmo nível, tanto no protagonista como no espectador.
(ninguém sabe mais que o outro; o espectador sabe tudo o que o protagonista sabe – a verdade é sabida em simultâneo perante todos -, tem é a vantagem de perceber, pela memória de ter visto o filme original, que evento e nome é aquele que o protagonista descobre ou lhe é mencionado)
O alinhamento com “Blade Runner” está perfeito e é “à prova d`água”.
(por isso “Blade Runner 2049” deve ser visto como uma continuidade e não apenas como sequela)
Não espere contar com tudo o que julga que sabe e que acha que o filme lhe vai dar. Há muita novidade e surpresa a caminho.
Por outro lado, surgem incríveis twists. Nada forçados, todos plenamente lógicos.
(sim, tal como o protagonista, também iremos deixar cair o queixo perante a verdade – afinal, vamos sabê-la em simultâneo com ele)
Se “Blade Runner” era um Future Film Noir, “Blade Runner 2049” é um Future Cop Story.
O original “brincava” com o Film Noir, a sequela “brinca” com matrizes de policial e whodunit.
Excelência total na fotografia (Roger Deakins merece tudo o que é prémio para a sua categoria). Não e tão linda como a de Jordan Cronenweth (o DP do original), mas a “sujidade” deste novo mundo obriga a mudanças cromáticas.
A música de Vangelis é imortal e Hans Zimmer procura aqui e ali alguma filiação (embora o filme tenha mais sonoridades e menos score).
A apresentação da tecnologia é muito plausível e pode-se mesmo dizer que há muita coisa que já estamos prestes a ver, viver e experimentar hoje (de assistentes virtuais num sistema operativo até a um holograma 3D que interage connosco como companhia, será um estalar de dedos).
Denis Villeneuve nunca procura imitar Ridley Scott, mas sabe tirar partidos dos meios e dos talentos ao seu dispor e faz-nos mais uma viagem por um “admirável mundo novo”.
Muito bom trabalho do elenco.
Ryan Gosling está óptimo como um agente fechado, em busca de respostas (sobre si e sobre outros).
Harrison Ford já tinha feito de Rick Deckard uma das suas grandes criações e mais um personagem de culto. Ao recriá-lo 35 anos depois (temos de esperar cerca de duas horas para o ver), o actor mostra que tem no personagem uma segunda pele – recupera todas as suas nuances, sabendo adaptar Deckard à passagem (física, psicológica e emocional) do tempo. Um verdadeiro tour de force (veja-se a sua expressividade de rosto no desespero, o tom de voz perante a dor) para o lendário actor. Vários prémios (Oscar incluído – que já fica como prémio-carreira) são totalmente justos.
E atenção nerds e fãs – atente-se à forma como uma tão querida personagem faz o seu “comeback” (muitas tears – in rain ou não – vão escorrer na sala).
Perguntas ainda pendentes sobre “Blade Runner” ou à volta de um personagem têm “resposta”. Algumas mais objectivas, outras deixadas à consideração do espectador.
Fiel ao filme original, volta-se a focar o tema da Humanidade, da Alma, do que significa ser Humano.
Como? Em quem? Now that would be telling.
“Blade Runner 2049” faz o mesmo que “Blade Runner” fez – apresenta-nos um muito credível e plausível futuro, leva-nos em busca de perguntas a muitas questões, suscita mais perguntas em nós e leva-nos a procurar as respostas, nunca deixando de nos maravilhar os olhos e obrigando-nos a ter sempre o cérebro activo.
O tempo dirá se “Blade Runner 2049” irá atingir o estatuto de “Blade Runner”.
Mas é plenamente justo dizer-se que “Blade Runner 2049” é um dos grandes filmes de 2017 (se não mesmo O Filme de 2017), um grande filme de Sci-Fi (perfeitamente ao nível dos grandes do género), não vive à sombra de “Blade Runner”, tem identidade própria e sabe-lhe fazer continuidade, estando perfeitamente ao nível do seu “criador”.
Obrigatório.
Tal como “Blade Runner”, procurem o melhor e maior ecran possível.
Levem a mente lavada e aberta.
“Blade Runner 2049” já está nas salas portuguesas.
Realizador: Denis Villeneuve
Argumentistas: Hampton Fancher, Michael Green, inspirados pelo conto de Philip K. Dick (“Do Androids Dream of Electric Sheep?”)
Elenco: Ryan Gosling, Harrison Ford, Ana de Armas, Robin Wright, Dave Bautista, Jared Leto, Mackenzie Davis, Edward James Olmos, Sylvia Hoeks, Lennie James
Site – http://bladerunnermovie.com
Orçamento – 150 milhões de Dólares
Bilheteira (até agora) – 62 milhões de Dólares (USA); 157 (mundial)
“Melhor Teaser”, nos Prémios Golden Trailer 2017.
“Filme Mais Aguardado de 2017”, pelos Indiewire Critics’ Poll 2016.
A ideia para “Blade Runner 2049” surgiu de Ridley Scott e Hampton Fancher.
Fancher era co-argumentista de “Blade Runner” – aliás, o argumento começa nele; David Webb Peoples (o outro co-argumentista) fez umas “polidelas” a pedido de Scott.
Numa primeira fase de produção, Scott ia ser o realizador. Mas Scott saiu da função (fica apenas como produtor) para realizar “Alien: Covenant”.
Denis Villeneuve é grande fã de “Blade Runner” e sempre foi contra a ideia de uma sequela. Mas mudou de ideias ao ler o argumento e ao ouvir a opinião de Harrison Ford sobre o mesmo.
Ryan Gosling recusou interpretar Joker em “Suicide Squad” (2016) para estar em “Blade Runner 2049”. Jared Leto (que também anda em “Blade Runner 2049”) ficou como Joker nesse filme.
Gosling era a única escolha de Villeneuve.
Emily Blunt (que já trabalhou com Villeneuve – “Sicario”) foi ponderada, mas teve de recusar devido à sua avançada gravidez.
É a primeira joint-venture entre a Warner Bros. e a Columbia Pictures, depois de “Something`s Gotta Give” (2003).
Filmado em Budapeste.
Jared Leto usou umas lentes de contacto especiais que o deixavam cego. Isso ajudava-o na interpretação do seu personagem.
“Blade Runner” vivia, também, à base de uma fabulosa fotografia, criada por um mestre da área – Jordan Cronenweth. “Blade Runner 2049” não foge à regra e chamou um outro mestre da imagem – Roger Deakins (já conhecido de Vileneuve – “Prisoners”, “Sicario” – mas com curriculum notável noutros filmes – “Skyfall”, “Kundum”, “Doubt” – sendo colaborador habitual dos Coen – “True Grit”, “Oh Brother, Where Art Thou?” “No Country for Old Men”, “The Man Who Wasn´t There”).
O filme estreia, nos USA, 10 anos e 1 dia depois da estreia do “The Final Cut” de “Blade Runner” – 6 Outubro 2017.
Featurettes:
As 3 shorts que explicam alguns eventos entre “Blade Runner” e “Blade Runner 2049”: