Valerio Zurlini revelou-se uma enorme descoberta quando vi “La Ragazza com la Valigia”.
Gostei da sua sensibilidade humana e sentido de realismo (Zurlini vinha do documentário), com alguma filiação no Neo-Realismo.
Como tal, adquiri logo mais dois títulos do realizador.
Este originou a minhas maiores expectativas.
A começar logo pelo elenco de ouro, com alguns dos maiores actores europeus da época, até mesmo de sempre.
O Tenente Drogo é jovem e vai ser mobilizado para o isolado Forte Bastiani, no meio de um deserto. O forte tem como missão ser um eixo de protecção contra os Tártaros.
Drogo vê-se rodeado por um grupo militar misto. Desde os mais radicais que anseiam pela guerra, até aos mais humanos que apenas procuram cumprir a sua missão.
Muita tensão existe, mas dos Tártaros nem sinal.
Um deserto. Um forte militar. Militares em missão. Ameaça da chegada do inimigo.
(Bons) Ingredientes para um (bom) filme de acção.
Mas Zurlini escolhe outra via.
O filme retrata a solidão humana (ainda que em colectivo, ainda que no meio militar), os conflitos de hierarquias e mentalidades, a paranóia, o medo, o isolamento e a ânsia, questionando também os excessos, a rigidez e os fundamentalismos das regras militares.
Brilhante uso da paisagem (o imenso deserto), a dar uma enorme sensação de perdição, imensidão, vazio e cerco.
Fabulosa fotografia do grande Luciano Tovoli (um fiel a Dario Argento – “Tenebre”, “Suspiria” – e a Michelangelo Antonioni – “Il Mistero di Oberwald”, “Professione: Reporter”).
Envolvente música do grande Ennio Morricone.
Impecáveis prestações de todo o elenco, sendo de destacar um impressionante Giuliano Gemma (que cria um personagem verdadeiramente odioso) e um comovente Jacques Perrin (sempre delicado na sua postura e visão).
Com uma história por onde passa tanto militar, estado de alerta, ânsia de combate e ameaça de um terrível inimigo, o filme de Zurlini acaba por ser uma visão humanista e antimilitarista sobre a (permanente?) necessidade do ser humano em guerrear (consigo próprio, com os seus e com os outros).
Obra-prima.
O filme tem edição portuguesa e já anda a preço bem “desértico”.
Realizador: Valerio Zurlini
Argumentistas: André G. Brunelin, Jean-Louis Bertuccelli, Valerio Zurlini, segundo o livro de Dino Buzzati
Elenco: Jacques Perrin, Vittorio Gassman, Giuliano Gemma, Helmut Griem, Philippe Noiret, Francisco Rabal, Fernando Rey, Jean-Louis Trintignant, Max Von Sydow
“Melhor Filme”, “Melhor Realizador”, “David Especial” (para Giuliano Gemma), nos David di Donatello 1977.
“Melhor Realizador”, pelos Jornalistas italianos de Cinema 1977 e pelos Goblets Dourados 1977.
Filmado no Irão (em Arg-e Bam), em Itália (Bressanone, Bolzano, Trentino, Campo Imperatore, L’Aquila, Abruzzo) e nos Estúdios Cinecittà (Roma).
Zurlini reencontra-se com actores com quem já tinha trabalhado antes – Perrin (“La Ragazza com la Valigia”) e Trintignant (“Estate Violenta”).
“Il Deserto dei Tartari” é o último filme de Zurlini.
Trailer
O filme
(falado em Espanhol)
Entrevista a Giuliano Gemma
(faz parte dos Extras da edição italiana em DVD)
O tema de Morricone