Abençoado seja aquele que se lembrou de recomeçar a “moda” das reposições (lembram-se quando isto era regras nos 70s e 80s?).
Aos ilustres títulos já alvos de tal viva cinefilia (“Vertigo”, “Psycho”) junta-se agora este colossal filme de David Lean, verdadeiro “Pai Nosso” dos Épicos.
T.E. Lawrence é um jovem, inteligente e algo rebelde oficial das forças militares britânicas. O governo considera-o como o homem ideal para ir até à Arábia mobilizar as muitas tribos locais (em permanente guerrilha umas contra outras) na luta contra os invasores turcos. Para Lawrence é uma épica aventura, mas também uma descoberta sobre os horrores da guerra e da sua essência humana, tendo de se confrontar com a divisão da sua lealdade (a coroa britânica ou os seus novos amigos árabes).
O filme de Lean surge numa época em que o Cinema perdia público para a televisão (a década de 60 é pródiga em séries inovadoras que marcaram a história daquele meio e ganharam lugar na pop culture). Como tal, Hollywood tinha de oferecer algo que só num grande ecran se poderia usufruir.
“Lawrence of Arabia” é um majestoso exemplo de tal.
Cinema Épico feito por um mestre, o filme irradia gigantismo em todos os planos (veja-se como se filma o deserto – chega a dar sede ao espectador – e o sol – uff, dá mesmo calor), mostrando um admirável planeamento no sentido de criar espectáculo.
Mas para além do festim visual (recordo que ainda estamos em tempos longínquos ao CGI – portanto, tudo o que é pessoa, local, estrutura, etc, visto no ecran, é mesmo algo vivo e criado em frente da câmara), há um admirável argumento, que não só é épico nos eventos narrados, como nos mostra um homem notavelmente épico, no seu pensamento e atitude.
(aprendam – cinema épico não é só estardalhaço sonoro e visual, grandiosas cenas de acção, muito dinheiro no orçamento e paisagens de perder de vista)
Fantástico Peter O`Toole (na interpretação mais emblemática da sua carreira), à frente de uns igualmente fantásticos Omar Sharif, Anthony Quinn, Alec Guiness, Anthony Quayle, Claude Rains, Jose Ferrer e Arthur Kennedy.
E depois, ainda há aquela épica música do grande Maurice Jarre, que nos faz mesmo sentir épicos e no deserto.
É exibido na versão integral (228 minutos) e numa esplendorosa cópia restaurada (atenção à perfeita textura da areia e das miragens). Apesar da generosidade do ecran escolhido (a sala 7 do UCI Arrábida), os ecrans multiplex ainda são muito minúsculos para este filme. Precisa-se é de um ecran de 70mm.
(ou do futuro IMAX que vai abrir em Lisboa, no Colombo; o Porto está agendado para final do ano ou início de 2014)
As reposições são vem-vindas. Só falta o regresso das salas/ecrans à “moda antiga”. Toca a tratar disso, senhores das reposições.
“Lawrence of Arabia” é uma reposição, mas é um dos eventos cinematográficos de 2013. Uma viagem/travessia até a um momento do Cinema onde, perante hoje, é justo dizer-se “They Don`t Make`Em Like This Anymore”.
(bom, James Cameron bem pode ser considerado o “David Lean Moderno” – eu sei, eu sei, muita gente vai ficar indignada comigo por eu ter escrito isto, but I don`t give a… -, mas o “King of The World” tem outro estilo, recursos e objectivos)
“Melhor Filme”, “Melhor Realização”, “Melhor Montagem”, “Melhor Fotografia”, “Melhor Direcção Artística”, “Melhor Som”, “Melhor Banda Sonora”, nos Oscars 1963. Peter O`Toole perdeu para Gregory Peck em “To Kill a Mockingbird”.
“Melhor Filme (Britânico)”, “Melhor Actor”, “Melhor Argumento (Britânico)”, nos BAFTA 1963.
“Melhor Filme Estrangeiro”, “Melhor Actor Estrangeiro”, nos David di Donatello 1964.
“Melhor Filme (Drama)”, “Melhor Realizador”, “Melhor Actor Secundário (Omar Sharif), “Melhor Fotografia”, nos Globos de Ouro 1963.
“Melhor Realizador”, pela National Board of Review USA 1962.
2 anos de pré-produção, 14 meses de filmagens (Jordânia, Espanha, Marrocos).
Lean via frequentemente “Stagecoach” (de John Ford) como fonte de inspiração.
Muito difícil foi a escolha do actor para interpretar Lawrence. Lean queria um actor desconhecido. Albert Finney foi uma primeira escolha. Os primeiros testes foram excelentes, mas Finney recusou pois não queria estar tanto tempo (de rodagem) ligado a um filme. Marlon Brando também foi considerado, mas recusou para participar em “Mutiny on the Bounty”. Foi Katharine Hepburn que sugeriu Peter O`Toole ao produtor Sam Spiegel. Lean assistiu a um filme chamado “The Day They Robbed the Bank of England” (onde O`Toole era secundário) e ficou impressionado. Montgomery Clift chegou a ser considerado, mas Spiegel recusou-o devido a conflitos que teve com o actor (dado ao alcoolismo) durante as filmagens de “Suddenly, Last Summer”.
Peter O’Toole afirmou que aprendeu mais sobre representação nos dias em que filmou com Jose Ferrer, do que nos anos de ensino na escola.
Quase todo o movimento que se vê no filme é da esquerda para a direita. Lean justifica que tal enfatiza o facto do filme ser sobre uma viagem.
A certo momento, Spiegel ficou preocupado com a lentidão das filmagens. Convocou William Wyler (“Ben-Hur”) para vir até aos sets e incentivar Lean a confiar mais nas Second Units. Mas Lean ficou indiferente a tal e manteve-se fiel ao seu habitual perfeccionismo.
Devido à incapacidade de filmar de noite, as cenas nocturnas foram feitas de dia, com recurso a filtros especiais.
Já desde 1926 que se tentou levar ao Cinema a vida de Lawrence, mas este sempre se mostrou relutante.
Em 1953 foi feita uma tentativa de produção. Queria-se John Wayne como protagonista. Tudo sofreu um revés devido à falta de financiamento.
O momento em que Omar Sharif surge como se fosse uma miragem foi filmado com um tipo de lente Panavison, especialmente criada para tal. Tal lente recebeu a alcunha de “David Lean Leans”. Ainda existe no leque de produtos Panavison, mas não tem tido uso.
Curiosamente, Peter O`Toole só viu o filme passadas uma décadas. Quando o viu, ficou muito impressionado pelo resultado final.
Peter O`Toole era mais alto que o verdadeiro Lawrence e foi considerado ainda mais bonito. Noel Coward chegou a dizer que “se ele fosse mais bonito, teria de ser chamado Florence of Arabia”.
A interpretação de Peter O`Toole chegou a ser considerada como a melhor interpretação de sempre pela revista Premiere.
Alec Guiness já tinha interpretado Lawrence, numa peça de teatro. Guiness queria voltar a interpretar Lawrence, mas Lean considerou-o já velho para tal. Laurence Olivier foi pensado para interpretar o Príncipe Feisal. Perante a sua recusa, Guiness foi escolhido para o personagem.
Peter O’Toole e Jack Hawkins tornaram-se grandes amigos. Lean achou que tal era prejudicial (os respectivos personagens são opostos). Nas cenas conjuntas, ambos improvisavam frequentemente, o que irritava Lean.
O Rei Hussein da Jordânia emprestou muitos dos seus soldados para interpretarem muitos dos extras nas cenas de combate.
O American Film Institude considera “Lawrence of Arabia” como o Número 1, numa lista de 10 dos melhores filmes do género Épico.
Quando foi feito o restauro em 1988, descobriu-se que o registo de muitos diálogos estava perdido. Alguns dos actores foram chamados para voltarem a vocalizar os seus personagens. Os actores já falecidos foram substituídos por imitadores.
É o filme preferido de Steven Spielberg (que muito ajudou no restauro, com o apoio de Martin Scorsese). Spielberg estima que fazer este filme hoje requeria um orçamento à volta dos 300 milhões de Dólares.
Sobre T.E. Lawrence –
http://www.historylearningsite.co.uk/lawrence_of_arabia.htm
Documentário sobre o verdadeiro Lawrence e o contexto histórico e geo-político da época
(está divido em 3 partes, mas no painel lateral há as ligações para as partes seguintes)
Sobre o restauro –
http://in70mm.com/news/2008/lawrence/
http://library.creativecow.net/kaufman_debra/Lawrence-of-Arabia-Restoration/1
Trailers
O original
O dos 50 anos
Um nerd partilha-nos a sua (luxuosa) edição Blu-Ray
(também quero uma)