O Crime da Avenida Foch (1947)

 

 

Título Original – Quai des Orfèvres

 

Henri-Georges Clouzot volta ao Polar, de forma igualmente original.

 

Num quarteirão pleno de vida artística ocorre um crime.

Um minucioso inspector da Polícia investiga e encontra uma troupe insólita, onde há muitos interessados na morte da vítima.

Mistério policial clássico (um homicídio, muitos suspeitos, vários interesses na morte da vítima), que ganha uma vitalidade pelo olhar pitoresco de um bairro, da sua comunidade, das relações entre os habitantes e pelo mundo artístico local (um teatro de bairro).

A par da trama policial cria-se uma muito bem conseguida atmosfera romântica, tanto à volta dos suspeitos (todos ajudam quem acreditam ter cometido o crime, por diversas razões), do pessoal de palco (as relações e favores) até ao inspector que investiga (os esforços em ajudar o filho em ser bem sucedido no exame de geometria).

Excelente trabalho nas áreas de fotografia e cenografia, que nos fazem sentir todas as zonas daquele bairro simpático.

O resultado é um belíssimo filme, entre o drama romântico, o policial de mistério sobre um assassínio e a crónica (igualmente romântica) de uma micro-sociedade.

Tudo tratado com grande sentido de atmosfera, com detalhes visuais sobre o pitoresco do quotidiano daquela comunidade e os ambientes (sub)urbanos (os tais méritos da fotografia e cenografia), variedade de personagens, sentimentalismo (e não lamechice) nas relações, humor (como ilustrador dos costumes e personalidades) e o devido mistério clássico policial.

O trabalho dos actores é puro ouro – Louis Jouvet é rigoroso e até algo tenebroso como o inspector, Bernard Blier comove na sua devoção sentimental e energia ciumenta como marido, Suzy Delair arrebata como a mulher desejável, Simone Renant (por acaso, a mais bonita do filme) é muito sólida na demonstração da amizade e lealdade.

Henri-Georges Clouzot ilustra admiravelmente aquele mundo, sempre com detalhes, humor, drama e atenção humana.

É um dos seus melhores trabalhos, que confirma que Clouzot é mais que um cineasta virado para o suspense e tinha mesmo um olhar atento e rigoroso sobre o ser humano.

Podem-se ver aqui alguns ecos do igualmente admirável “L’Assassin habite… au 21” (1942) – também um homicídio, também um pequeno bairro. Mas esse filme tem uma súbita e inesperada presença de humor (os personagens, a investigação do inspector, a ajuda da esposa), com “Quai des Orfévres” a ser mais sério (ainda que com alguma dose de humor).

 

São ainda restos do “realismo poético”, é o cinema francês pós-guerra a redespertar, é grande Cinema vindo de um dos seus Maitres.

 

Obra-prima total.

 

“Quai des Orfévres” não tem edição portuguesa.

Existe noutros mercados, a bom preço.

A edição francesa conta com bons extras. O preço anda jeitoso.

 

Realizador: Henri-Georges Clouzot

Argumentistas: Henri-Georges Clouzot, Jean Ferry, a partir do romance de Stanislas-André Steeman (“Légitime Défense”)

Elenco: Louis Jouvet, Simone Renant, Bernard Blier, Suzy Delair, Pierre Larquey, Jeanne Fusier-Gir, Claudine Dupuis

 

Site – http://www.rialtopictures.com/quai.html

 

Trailer

 

Clip

 

No TCM

 

Bilheteira – 5.5 milhões de espectadores (França)

 

“Melhor Filme Estrangeiro”, nos Edgar Allan Poe 1949.

“Melhor Realizador”, em Veneza 1947. Ainda concorreu ao “Grande Prémio Internacional”, mas foi derrotado por “Siréna” (de Karel Steklý).

“Quai des Orfèvres” marca o regresso de Henri-Georges Clouzot à realização, após uma pausa de quatro anos.

O cineasta estava proibido de fazer filmes depois da bronca causada por “Le Corbeau” (1943). O filme era uma co-produção com uma companhia germânica. Na época, decorria a Segunda Guerra Mundial e a França estava ocupada pela Alemanha. O filme fora acusado de propaganda anti-França. Isso levou-o a estar numa lista negra e a ficar excluído da indústria cinematográfica francesa.

Clouzot tinha continuado a trabalhar no Cinema, mesmo com a invasão nazi em França. Algumas pessoas do meio consideram-no como colaboracionista, pelo que no fim da guerra o deixaram à margem.

 

Era a terceira vez que Henri-Georges Clouzot adaptava Stanislas-André Steeman ao Cinema – “Le Dernier des Six” (1941, realizado por Georges Lacombe, com Pierre Fresnay, Michèle Alfa, Suzy Delair), “L’Assassin Habite au 21” (1942, realizado por Clouzot, com Pierre Fresnay, Suzy Delair, Jean Tissier) e este “Quai des Orfèvres”.

Clouzot escreveu cerca de 2/3 do argumento recorrendo apenas à sua memória (tinha lido o romance de Steeman há vários anos).

Clouzot fez muitas variações e mudanças face ao romance de Steeman.

Quando o filme estava em produção, o livro estava já fora de circulação e não havia reedições.

“Joyeux Noël” – era o título inicial.

 

Pela primeira vez na sua carreira, Henri-Georges Clouzot recorreu a storyboards.

Numa cena, antes de começar a filmar, Clouzot deu uma violenta chapada a Bernard Blier, no sentido de o deixar mesmo assustado.

 

Suzy Delair era a companheira sentimental de Henri-Georges Clouzot, na época.

Léo Lapara (um dos inspectores) era o marido de Véra Gibson-Amado. Véra vinha frequentemente ao set e surgiu um romance entre ela e Clouzot.

Véra Clouzot (assim ficaria o seu nome depois de casar com Clouzot) tornar-se-ia actriz habitual no cinema de Clouzot (é uma das “Les Diaboliques”).

 

Quando viu o filme, Stanislas-André Steeman queixou-se das muitas diferenças entre filme e livro (muda-se a identidade do assassino, o local da acção e entra uma personagem feminina de ambiguidade sexual).

Steeman chegou e fazer um elogio a Clouzot no prefácio do romance “La Nuit du 12 au 13”, onde escreveu sobre Clouzot e “Quai des Orfèvres” que “…(´Quai des Orfèvres`) est le meilleur film peut-être de ce diable d’homme, véritable ´bête de cinema` (Clouzot)… “.

 

O filme foi um sucesso público e crítico.

O filme foi muito elogiado à época de estreia e o culto tem-se mantido ao longo destas décadas. É considerado como um dos melhores filmes de Clouzot.

 

36, Quai des Orfèvres – é a morada da Police Judiciaire de Paris. Em 2017 muitos dos serviços mudaram para a Porte de Clichy.

 

Sobre Stanislas-André Steeman

https://www.brusselsremembers.com/memorials/stanislas-andre-steeman

https://focusonbelgium.be/en/Do%20you%20know%20these%20Belgians/Stanislas-Andre-Steeman

https://www.goodreads.com/author/show/854769.Stanislas_Andr_Steeman

https://www.goodreads.com/author/list/854769.Stanislas_Andr_Steeman

https://booknode.com/auteur/stanislas-andre-steeman

http://at-scene-of-crime.blogspot.com/p/stanislas-andre-steeman.html

 

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s