No panorama do cinema actual, considero David Ayer um dos nomes mais relevantes – como argumentista e realizador. Tem conseguido trazer de volta o estilo dos policiais urbanos à 70`s, com um realismo nada complacente, uma abordagem brutal da vida nas grandes cidades (quase sempre L.A.), os mecanismos da estrutura policial, a violência de quem a faz e de quem a combate, a corrupção no seio da polícia, sempre com ténues linhas de separação entre (anti-)heróis e “vilões”. Como se fosse pouco, os seus argumentos têm permitido algumas das melhores interpretações (e em alguns casos, as melhores) aos seus protagonistas.
Ayer cresceu num bairro problemático, à volta de droga, armas e violência (esse dark side de L.A. é sempre visualizado nos seus filmes), andou pela Marinha (o seu cinema é sempre viril e másculo) até que enveredou pelo cinema e por contar as histórias que assistiu, viveu e cuja experiência de vida o inspiram.
Nas prateleiras das lojas já está o seu recente “End of Watch”.
Bom motivo para se dar uma olhada à sua carreira.
U-571 – Submarino U-571 (2000)
Os ingleses não gostaram muito da liberdade criativa tida neste filme. Tudo porque, ao contrário do que o filme conta, não foram os filhos do Uncle Sam a descobrir o código que os nazis usavam para comunicar entre os seus submarinos (o Enigma), mas sim os “bifes” (fizeram tal feito quatro meses antes da entrada dos americanos no conflito europeu). Tal descoberta fez mudar o rumo da Segunda Guerra Mundial e muito ajudou a que os Aliados dessem porrada nos boches.
Um grupo de elite da marinha americana é chamado para uma missão de alto risco. Devem interceptar um submarino alemão, infiltrarem-se dentro dele, tomá-lo e roubar o código de comunicações Enigma. Tudo corre bem, até que um outro submarino nas imediações ataca o submarino dos heróis. O grupo vai ter de fugir e sobreviver num submarino alemão, onde tudo está numa língua que poucos percebem. E o cerco aperta.
Com o trepidante “Breakdown”, Jonathan Mostow tinha mostrado que era um hábil realizador herdeiro do melhor espírito da Série B, sabendo, com grande sentido de ritmo e acção, gerir a economia narrativa e de meios.
Aqui confirma tal talento. O espírito é de pura Série B, ao nível de grandes momentos do género como vimos nos 40`s (“Desperate Journey” de Raoul Walsh, por exemplo), com uma excelente atmosfera de claustrofobia.
Matthew McConaughey sai-se bem como action hero (substituiu o inicialmente previsto Michael Douglas).
Site – http://www.universalstudiosentertainment.com/u-571/
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The Fast and The Furious – Velocidade Furiosa (2001)
Ayer é um dos argumentistas.
Sob a máscara de um remake (não assumido) de “Point Break” (basta substituir o surf pelos carros), o filme conta a história de um jovem polícia que se infiltra num gang de corridas ilegais de automóveis. Fascinado por tal mundo (para além dos bólides, há também muita e bela curva feminina), o “herói” divide a sua lealdade entre o sistema e o “admirável mundo novo”.
Apesar dos bons meios de produção, o filme é um puro Série B, na melhor tradição do género.
Rob Cohen dirige com competência e eficácia, com uma estética adequada aos tempos modernos, investindo tudo na acção automóvel.
É certo que o filme consola os olhinhos do menino (muitas beldades em trajes curtos e justos) e da menina (muito músculo e bronzeado), mas o destaque é mesmo para as cenas de acção automobilística que são do melhor e mais (rigorosamente) coreografado e executado desde a magnífica saga “Mad Max”.
Goste-se ou não (eu adoro), uma saga emblemática do cinema contemporâneo, cujo episódio 6 já está para breve estreia e tem o episódio 7 já em rodagem este Verão.
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Training Day – Dia de Treino (2001)
O filme que ainda é o trunfo no curriculum de Ayer.
O filme acompanha o dia de treino de um jovem, inocente e idealista polícia e a forma como é “desmamado” por um veterano. O problema é que este anda metido em negócios (bem) sujos. Quando o treinador tenta fazer do treinado o bode expiatório para os seus erros, o jovem vê-se num beco sem saída e tem de pôr em prática tudo o que aprendeu (por muito “sujo” que seja) para conseguir sobreviver.
Sólido policial sobre o lado negro de L.A. e da polícia, servido com um tom quase documental e de grande realismo.
Soberbas interpretações de Denzel Washington (que ganhou um Oscar, o seu segundo) e de Ethan Hawke (que esteve nomeado para um Oscar).
Excelente trabalho de realização de Antoine Fuqua, na esteira dos grandes momentos do género como eram vistos nos 70s (Sidney Lumet). Fuqua bem tentou meter-se em projectos ao nível deste, mas até hoje só o conseguiu com o também excelente “Brooklyn’s Finest” (a lembrar os bons tempos de “Hill Street Blues”), de 2009 (também com Ethan Hawke).
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Dark Blue – Azul Escuro (2002)
Começou com um argumento de James Ellroy, um dos mais importantes escritores de romances noir da actualidade (“L.A. Confidential”, “Black Dahlia”, “White Jazz”), mas teve alguns percalços. Foi considerado demasiado negro e denso para um filme comercial. Ayer entrou em cena para dar uma “polidela”.
Um polícia corrupto descobre toda a podridão que andou a alimentar durante décadas, à medida que vê o seu seio familiar a desmoronar e o seu novo e idealista colega a ser “engolido”. Mas o seu rebate de consciência vai fazer com que os que serviu se virem contra ele. A confrontação é inevitável, violenta e mortal.
Magnífico policial, bem na onda do policial de denúncia e realista que Sidney Lumet e William Friedkin implementaram nos 70`s. O tom é cru e amoral. Excelente prestação do elenco, sendo de destacar um perfeito Kurt Russell, aqui na sua melhor interpretação de sempre (veja-se o seu catártico “discurso” final – toda a libertação do poder de um fantástico actor). Só foi pena ter-se um realizador não muito dotado para o género (isto nas mãos de Scorsese…).
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S.W.A.T. – Força de Intervenção (2003)
”Até a polícia liga o 911” – dizia a publicidade.
Um barão da droga vai ser transportado de um local para outro. A missão está a cargo de um grupo especial da S.W.A.T. de L.A.. Mas o prisioneiro tornou público que oferece uma milionária recompensa a quem o libertar. Uma perseguição e luta sem tréguas espera a equipa face a todo o tipo de facínoras sedentos de dinheiro fácil. E não é que o grupo até se vê à rasca para levar a sua missão a bom termo.
Competente e dinâmico filme de acção, ainda que se sinta uma certa timidez na hora de dar algum punch ao tom final (houve medo de ser excessivo na violência e o realizador optou por ser mais “certinho” e assim não afugentar o público).
Heróicos e aguerridos Samuel L. Jackson, Colin Farrell e Michelle Rodriguez (uma das grandes kick-ass ladies da actualidade).
Baseado numa série televisiva dos 70s, protagonizada por Steve Forrest (um sólido nome do cinema B), que durou só duas temporadas, mas que gerou culto.
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Harsh Times – Tempos Cruéis (2005)
A estreia de Ayer como realizador, num filme muito pessoal para ele (pelas dificuldades em encontrar financiamento e pelo facto do argumento ser ligeiramente autobiográfico).
Jim Davis é um ex-marine, veterano da guerra do Golfo, ainda fortemente traumatizado. Ele e Mike, amigo de longa data, procuram (desesperadamente) emprego, mas cada tentativa é um falhanço, que é compensado em noites longas de álcool, drogas e prostitutas. Até que um rumo luminoso parece surgir para ambos. A celebração leva-os ao México e a uma série de eventos onde o carácter psicótico e violento de Jim vai desmoronar tudo obrigando a uma derradeira confrontação entre Jim e Mike.
É de 2005, mas parece ser o filme dos nossos dias.
Ayer filma o desespero de pessoas (seja em busca de emprego, respeito, o seu lugar na sociedade, a construção de família) com sentido humano, realista, dramático e de impacto (a conversa no bar mexicano e o que se segue, a atitude de Jim quando sabe que vai ser pai e a resolução final entre os dois amigos). Tudo sob a máscara de uma viril história de amizade ao rumo errático de prazeres.
Mais do que um brilhante drama urbano, “Harsh Times” é a “reportagem” dos actuais “tempos difíceis”.
Um impressionante Christian Bale, ao lado dos muito competentes Freddy Rodriguez e Eva Longoria.
Bale chegou a ser considerado para “Training Day”. Apesar de Ethan Hawke ter vencido, Ayer gostou muito de Bale e mostrou-lhe o argumento de “Harsh Times”. Bale gostou e ofereceu disponibilidade se Ayer o levasse avante.
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Street Kings – Os Reis da Rua (2008)
Mais um argumento que começou na cabeça de Ellroy, mas depois…
Ayer fica apenas com a realização.
Um jovem polícia confronta-se com os seus fantasmas (a morte da esposa, a sua ligação suja a um esquadrão corrupto) quando assiste à morte de um colega, mais limpo. À medida que investiga, descobre uma podridão ainda maior, que atinge todos (que vai desde o “rés-do chão” até ao “andar de cima”). A redenção e a “limpeza” vão ser violentas. Até porque os seus inimigos são, afinal, aqueles que ele ajudou e protegeu ao longo de anos.
Novamente o policial-denúncia, num filme cru, brutal, sujo. David Ayer confirma o seu valor e competência no género (o tiroteio inicial e o na casa dos shooters são de uma impecável planificação e impacto) e filia o seu filme no que de melhor se fazia nos 70`s pelos grandes mestres (Don Siegel, Sidney Lumet, William Friedkin) do género.. Boa prestação do elenco, com destaque para um muito bom Keanu Reeves (veja-se o interrogatório com as “Páginas Amarelas”), talvez na sua melhor interpretação desde “Point Break” (imparável e adrenalítico action thriller da grande Kathryn Bigelow, com produção de James Cameron, altamente recomendável).
Teve uma sequela (directa para DVD), but frankly, I don`t give a shit.
Site – http://www.foxsearchlight.com/streetkings/
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End of Watch – Fim de Turno (2012)
A rotina de dois polícias de L.A. transforma-se numa luta pelas suas vidas, quando se vêm perseguidos por um violento gang que perdeu muito do seu “espólio” numa rusga efectuada pela dupla.
David Ayer de volta às ruas, agora com polícias fardados e algo mais “limpos”. Mas o tom continua a ser sujo, brutal, humano e sem concessões.
O ar de “filme documentário”, found footage, youtube video e “vídeo doméstico de câmara na mão” dá ao espectador uma maior proximidade aos eventos e aos personagens, convertendo-se numa experiência fílmica única (atenção aos tiroteios e à forma como nos envolvem na tensão de tais situações).
Convincentes interpretações de Jake Gyllenhaal e Michael Peña.
Site – http://www.endofwatchthefilm.com/
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David Ayer. O realismo brutal da vida nas grandes cidades e dos subúrbios, a violência do crime e da polícia, a sujidade dos dois mundos quando em choque. Tudo com sentido viril de cinema
Ayer regressa em Janeiro de 2014 com “Ten”. É protagonizado por Schwarzenegger, como líder de um grupo de elite do DEA, que num raid ao covil de um barão da droga, vê-se metido numa armadilha que procura eliminar os agentes um a um (claro que quando chegar a vez de Schwarzie, alguém vai ter azar). Há vários anos que Ayer persegue a ideia de fazer um remake de “The Wild Bunch” (whoa!!!, calma David, calma; mas, e daí, quem sabe?…).