Há dias pude rever (finalmente) um dos meus filmes de infância (foi o quarto filme que vi, depois de uma “maratona” memorável para qualquer movie kid na descoberta do cinema – “Star Wars”, “Superman” e “Moonraker”). Foi em Dezembro de 1980 (rica prenda de Natal) no saudoso cinema Foco (e “The Black Hole” era mesmo um filme perfeito para aquela perfeita sala de cinema – quem já lá viu cinema, sabe o que quero dizer).
Ainda me lembro da colecção de cromos que saiu na época, que ficou concluída após ter escrito à editora a pedir os últimos 4 cromos que me faltavam.
A “PALOMINO” é uma pequena nave a terminar a sua missão. O alerta surge quando o computador avisa a tripulação que se está nas imediações de um assustador buraco negro. Mas isso é só o princípio. Descobrem a “CYGNUS”, uma enigmática nave que anda procurada há mais de 20 anos. “Convidados” a bordo, a tripulação conhece o estranho e genial Dr. Hans Reinhardt que conseguiu sobreviver todos aqueles anos e propõe-se à maior das viagens do ser humano – entrar, atravessar e ver o que há para além do buraco negro.
“The Black Hole” é um dos mais atípicos filmes da Disney. Foi o primeiro filme do estúdio a receber a classificação PG, foca temas bastante densos e negros, não transmite a sensação de felicidade habitual dos títulos da casa do Uncle Walt, há mortes violentas e tenebrosos vilões. Foi um tremendo achievement em termos técnicos (criaram-se 150 matte paintings, o que foi um record na época e ainda o é hoje).
Teve um custo brutal (cerca de 20 milhões de Dólares) e receitas algo modestas para o investimento (35 milhões nas bilheteiras, mais 25 no mercado doméstico).
Esteve nomeado para dois Oscars técnicos (Fotografia e Efeitos Visuais – perdeu para “Apocalypse Now” e “Alien”, respectivamente).
A Disney queria usar o sistema Dykstraflex (que o lendário mestre dos efeitos visuais John Dykstra usou em “Star Wars: Episode IV” – era uma câmara controlada por computador), mas o aluguer revelou-se muito caro. A Disney decidiu criar o seu próprio sistema, que na verdade resultou em três – o “A.C.E.S.”(Automated Camera Effects System), que se revelou melhor que o sistema de Dykstra; o “Mattescan System”, que permitia uma câmara mover-se num matte painting (até então tal era impossível); uma plataforma controlada por computador.
“The Black Hole” aproveita o entusiasmado de Hollywood pelo espaço e pelas space operas depois do sucesso de “Star Wars” em 1977. Muitos foram os sucedâneos e rip-offs que se fizeram. Recordemos que em 1979 surgem “Star Trek – The Motion Picture”, este “The Black Hole” até James Bond vai ao espaço em “Moonraker”.
“The Black Hole” é um filme que faria mais as delícias de Kubrick do que Spielberg ou Lucas.
O argumento acaba por ser mais um psychological and metaphýsical thriller passado no espaço do que uma space opera clássica. Sim, há cenas de acção, tiroteios (com laser, claro), “bons” e “maus” em confrontação”, mas tudo o que despoleta tal é a obsessão de um homem (na evolução do conhecimento, genialidade e loucura andam de mãos dadas) na descoberta de novos mundos.
O argumento toca questões como a ciência e a religião, ainda que de forma “simples”, com um negrume que não se esperaria num filme Disney.
Na memória (principalmente de um puto daquele tempo) ficam os (3) robots, capazes de povoarem os nossos sonhos (o adorável V.I.N.C.E.N.T. – é dele que vêm as mais divertidas frases, sempre cheias de filosofia, mostrando-se um verdadeiro “canivete suíço robótico” – e o simpático B.O.B. – um old timer que mostra que ainda tem alma para um derradeiro combate) e pesadelos (o tenebroso Maximilian, verdadeiro “avô” do futuro Terminator).
Para além do festim visual (acreditem, o filme é deslumbrante em termos visuais, devido aos incríveis cenários e matte paintings) e das ideias abordadas (que convidam à reflexão do espectador), o filme dá-nos também uma bela história de amizade, com a originalidade de ser entre dois robots (o diálogo final entre V.I.N.C.E.N.T. e B.O.B. é comovente).
Muito bom elenco, com nomes veteranos e da nova geração. O grande Maximilian Schell compõe um inquietante Reinhardt, acompanhado por Anthony Perkins, Ernest Borgnine, Yvette Mimieux, Robert Forster e Joseph Bottoms.
Roddy MacDowell dá voz a V.I.N.C.E.N.T., Slim Pickens dá voz a B.O.B..
A fotografia de Frank Philips (um veterano da Disney) é magnífica, a ilustrar os sumptuosos decors e efeitos de Peter Ellenshaw (um lendário e respeitado veterano). A partitura musical (bem épica e por vezes temerosa) vem do grande John Barry.
A edição DVD dos USA traz um pequeno e ilustrativo documentário sobre as questões técnicas do filme. Está também impecavelmente restaurada em termos de imagem e som, pelo que é esta edição que recomendo.
Demorei quase 33 anos para rever este filme. Apesar das evoluções tecnológicas que o cinema já nos deu ao longo deste tempo, “The Black Hole” não deixa de ser um fantástico exemplar (foi mesmo um dos últimos) dos métodos old school VFX (em 1982, a Disney faria o seu primeiro experimentalismo total com efeitos visuais por computador no mítico “TRON”; em 1985, com o fascinante e transgressor “The Black Cauldron”, a Disney daria mais um passo nos efeitos por computador). As ideias abordadas são universais. Os robots ainda cativam o imaginário.
Há um par de anos, a Disney anunciou que vai fazer um remake de “The Black Hole”. Para a realização já está convocado Joseph Kosinski (o visionário realizador do incrível “TRON: Legacy”). Ainda pouco se sabe sobre o projecto. Kosinsk confessa-se fã do original e diz que quer honrá-lo e respeitar os fãs. Fala-se que será um argumento mais complexo e promete-se uma revolução a nível visual (e a Disney sabe cumprir este tipo de coisas).
Aguardemos.
Até lá, deixo-vos esta recomendável viagem.
Trailer –
Reflexões
http://reflectionsonfilmandtelevision.blogspot.pt/2009/04/cult-movie-review-black-hole-1979.html
http://www.lawrence.com/weblogs/land-of-forgotten-cinema/2012/oct/16/the-black-hole-1979/
http://www.cinemablend.com/reviews/The-Black-Hole-1979-329.html
http://www.retrocinema.wetcircuit.com/films/the-black-hole/
Sobre V.I.N.C.E.N.T. – http://space1970.blogspot.pt/2012/11/the-black-hole-1978-radio-controled.html
Uma (bela) colecção de posters – http://kathykavan.com/the-black-hole-1979-a-collection
A análise (eufórica) de um nerd-fan de “The Black Hole”
(a não ver por quem ainda não viu o filme):
Alex Aranda
Também é um dos meus filmes favoritos, o visual é deslumbrante e perturbador. O confronto final dos robôs faz lembrar Davi e Golias. Quero assinalar que o produtor de Abismo negro” é Ron Miller, genro de Walt Disney e que, enquanto deixaram, produziu excelentes obras na Disney.